Moeda de Bitcoin caindo
Foto: Shutterstock

À medida que o primeiro semestre de 2022 chegou ao fim, o bitcoin (BTC) teve um de seus piores meses em termos de desempenho de preço. Caiu -37,9% nos últimos 30 dias, perdendo como pior mês apenas para o mercado de baixa de 2011. Para fins de comparação, o preço do bitcoin era inferior a US$ 10 em 2011.

O preço do bitcoin se consolidou essa semana, digerindo os prejuízos do mês e manteve uma faixa estável de negociação em torno da alta recorde de US$ 20 mil de 2017. O mercado havia começado a última semana com uma alta de US$ 21.471, chegado a uma baixa de US$ 18.741 antes de finalizar em US$ 19.139.

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Conforme as estimativas da inflação americana para junho continuam elevadas e as nuvens escuras de uma possível recessão pairam no céu, o mercado continua bastante avesso ao risco. Isso fica evidente no desempenho e na atividade em blockchain do bitcoin, que reduziram bastante nas últimas semanas.

Agora que a atividade de rede está em níveis que coincidem com a fase mais profunda do mercado de baixa de 2018 e 2019, parece que aconteceu uma expulsão quase completa de quem estava “apenas a passeio” pelo mercado.

No entanto, essa atividade parece se alinhar com uma tendência inabalável de acumulação e autocustódia de alta convicção. Saldos em corretoras estão diminuindo a níveis historicamente altos e saldos de “camarões” e “baleias” estão aumentando significativamente.  

Com forças de mercado tão complexas e divergentes, nesta edição, a Glassnode tenta identificar as principais tendências que estão surgindo no desempenho em blockchain e na distribuição da oferta de bitcoin.

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Desempenho mensal do bitcoin (Imagem: Glassnode)

Fim do turismo na rede Bitcoin

Um dos conceitos mais fundamentais na análise do bitcoin é a avaliação da atividade em blockchain. A ideia é identificar a força ou a fraqueza relativa na base de usuários, principalmente para encontrar mudanças na natureza macro da rede.

Alta atividade é sinônimo de um fluxo de nova demanda, crescente especulação e associada a mercados de alta (cor verde no gráfico abaixo).

Baixa atividade é sinônimo de uma demanda drasticamente reduzida e o enfraquecimento do interesse dos “turistas de mercado” — características típicas de mercado de baixa (cor vermelha no gráfico abaixo).

Quase todo o conjunto de métricas que avaliam a atividade em blockchain indicam que o número e a atividade de usuários da rede estão se aproximando do território mais profundo do mercado de baixa. A rede Bitcoin está se aproximando de um estado em que quase todas as entidades especulativas e turistas do mercado foram completamente expulsos.

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A atividade por endereços, por exemplo, caiu em 13%: de mais de um milhão por dia em novembro para apenas 870 mil por dia atualmente. Esses dados sugerem que houve pouco crescimento em termos de novos usuários e até mesmo um esforço para reter os usuários existentes.

Número de endereços ativos na rede Bitcoin (média móvel de sete dias) (Imagem: Glassnode)

Uma versão mais avançada desta métrica é o número de entidades ativas, que se beneficia de nossos algoritmos de agrupamento. Esses métodos agrupam múltiplos endereços e os associam a entidades em blockchain, fornecendo uma reflexão mais precisa e clara da base de usuários mais provavelmente ativa.

O número de entidades ativas teve um notável aumento após o preço recorde do bitcoin em novembro de 2021 conforme participantes especulavam que o preço fosse subir ainda mais. No entanto, essa expectativa se dissipou e, agora, estabeleceu a prevalecente tendência de baixa.

Existem cerca de 244 mil entidades ativas diárias, cuja quantidade está enfraquecendo na extremidade inferior do canal de baixa atividade — algo comum nos mercados de baixa (cor vermelha do gráfico abaixo).

A retenção de HODLers está mais evidente nessa métrica, já que entidades ativas estão geralmente oscilando, indicando um volume estável de usuários.

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Número de entidades ativas na rede Bitcoin (média móvel de sete dias) (Imagem: Glassnode)

A capitulação por participantes (desistência de ganhos pela venda de posições em épocas de queda) pode ser bastante observada ao longo do colapso do crescimento líquido de entidades, que mostra a diferença entre entidades novas na blockchain e as que estão deixando a rede.

Com exceção dos dois grandes auges durante o colapso do LUNA e da liquidação no fim de junho, taxas de crescimento em junho, no geral, foram, no mínimo, fracas.

Mais recentemente, a taxa de crescimento da base de usuários despencou para cerca de sete mil novas entidades líquidas por dia — um número similar às baixas registradas durante os piores níveis do mercado de baixa de 2018 e 2019.

Crescimento líquido de entidades na rede Bitcoin (média móvel de sete dias) (Imagem: Glassnode)

O grupo dos HODLers

O número de transações processadas apresenta ainda mais informações sobre a demanda por espaço em blocos e a utilização da rede em qualquer dia. Avaliar a contagem de transações é bem mais sutil do que avaliar endereços ativos ou entidades ativas por dois motivos:

– limites disponíveis no espaço em blocos criam um limite de capacidade transacional em que as taxas são a válvula de escape (que estão muito baixas, indicando quase nenhum congestionamento notável);

– a crescente eficiência da tecnologia transacional, como “batching” (agrupamento de múltiplos pagamentos em uma só transação) e SegWit (ferramenta de “testemunha segregada” para acelerar o processo de validação de transações na blockchain), pois ambas registraram um drástico aumento na adesão ao longo de 2020.

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Quedas extremamente drásticas nas contagens de transação registraram o fim de mercados de alta em janeiro de 2018 e, novamente, em maio de 2021. Após alguns meses de recuperação, a demanda transacional oscilou por toda a parte principal do mercado de baixa. Indica tanto uma estagnação de uma nova demanda de entrada, mas também uma provável retenção de uma base de usuários (os HODLers).

Número de transações na rede Bitcoin (ajustado por entidades) (média móvel de sete dias) (Imagem: Glassnode)

Para reforçar esse ponto, o número de endereços com um saldo superior a zero continua subindo, atingindo um novo recorde de 42,2 milhões, e apenas minimamente influenciado pelas recentes capitulações.

A rede Bitcoin geralmente passa por uma enorme expulsão de carteiras durante grandes acontecimentos de liquidação e no início dos mercados de baixa à medida que investidores capitulam e gastam tudo.

Entre janeiro e março de 2018, houve a expulsão de sete milhões de endereços (o equivalente a 24,4% do total), iniciando o mercado de baixa. Continua sendo a maior redução já registrada.

Entre abril e maio de 2021, houve um colapso de um milhão de endereços com saldo superior a zero em meio à “Grande Migração de Mineradores”, registrando uma redução de 2,8%, com uma reação bem leve em comparação a 2018.

Em maio de 2022, houve a remoção de 430 mil endereços — uma redução de 1%, que foi bem menos severa do que a registrada entre abril e maio de 2021, apesar do drástico colapso no preço.

Após 2018, a gravidade da capitulação por endereços com saldo superior a zero pode ter diminuído, indicando que existe um nível cada vez mais crescente de determinação por participantes comuns da rede Bitcoin.

Número de endereços com saldo superior a zero em bitcoin (Imagem: Glassnode)

A atividade em blockchain parece bem fraca e no território do ciclo de baixa. Quase todos os compradores e vendedores em margem parecem ter finalmente capitulado e sido expulsos da rede nos últimos 12 meses. Apenas deixaram uma base de HODLers sobrando. Existem poucos reforços vindo do lado da demanda do bitcoin e, por isso, o preço está se corrigindo até que esses HODLers determinem um valor fixo.

Divergências em corretoras

Corretoras continuam sendo um ponto central da infraestrutura de mercado da rede Bitcoin, com centenas de milhões a bilhões de dólares de valor fluindo pela blockchain diariamente. O número de depósitos e saques em corretoras tendem a mostrar um alto nível de sensibilidade e correlação com preços “spot” (ou “à vista”).

Em termos gerais, tanto o número de depósitos como de saques têm uma correlação com o preço, atingindo um auge nos mercados de alta, quando o fluxo de demanda especulativa é mais elevado.

Geralmente, saques (na cor verde) são menos numerosos em relação a depósitos (na cor rosa). Isso se dá porque corretoras processam múltiplos saques de clientes em uma só transação enquanto depósitos são processados individualmente.

Nas últimas semanas, a atenção está na autocustódia de ativos em blockchain, pois inúmeros serviços de empréstimo estão suspendendo depósitos e saques de usuários. Talvez, em resposta a esse infeliz acontecimento, estejamos vendo um aumento nos saques em corretoras enquanto o número de depósitos continua caindo.

Isso é historicamente incomum, pois houve poucos exemplos nos últimos cinco anos.

Comparação de contagem de transações em corretoras (Imagem: Glassnode)

Também é possível avaliar a dominância da atividade relacionada a corretoras como uma proporção de todas as transações feitas na rede. A partir disso, é possível identificar auges e quedas na atividade de investidores e identificar variações na estrutura de mercado composta por usuários.

A dominância das transações em corretoras atingiu um ápice quase imediatamente após ambos os auges do mercado de alta em 2017 e novamente em 2021, capturando 80% e 94% de toda a atividade. Marca o último suspiro e fluxo dos turistas do mercado, pois novos participantes compraram na alta, bem antes do preço despencar e, por isso, foram expulsos da rede.

A dominância das transações em corretoras passou por uma duradouro “desintoxicação” desde a alta de maio de 2021 e parece estar se estabilizando em torno de 50%. Esse dado fomenta outras hipóteses de que o mercado está se aproximando de um regime liderado por HODLers.

Comparação de contagem de transações em corretoras (Imagem: Glassnode)

Reservas em corretoras continuam passando por enormes saques líquidos, pois saldos totais estão caindo para níveis não registrados desde julho de 2018. O saldo total em corretoras teve uma saída total de capital de 750 BTC desde março de 2020. Apenas os últimos três meses tiveram cerca de 142,5 mil BTC de saída de capital — de impressionantes 18,8% do total.

Saídas de capital de corretoras nessa escala, principalmente por conta de uma ação de queda tão extrema no preço, são intrigantes e serão analisadas a seguir.

Saldo de bitcoin em todas as corretoras (Imagem: Glassnode)

É possível observar mudanças nessas reservas por corretoras individual, onde podemos ver que uma divergência interessante está a caminho:

– A Coinbase continua registrando saídas líquidas de moedas, com uma redução total de cerca de 450 mil BTC nos últimos dois anos. O saldo da Coinbase caiu entre 10 mil e 30 mil BTC. Essas moedas estão sendo transferidas para novas carteiras que não estão associadas à entidade Coinbase. Podem ser soluções de custódia para instituições, dado seu tamanho de alocação.

– A Binance, por outro lado, teve um aumento líquido de saldo de quase 300 mil BTC durante o mesmo período. Como consequência, a Binance agora destronou a Coinbase como a corretora com o maior fornecimento de bitcoins, conforme destacado por TXMC em maio.

https://twitter.com/TXMCtrades/status/1529637908453507073

Junto com um mês historicamente ruim de desempenho de preço, corretoras registraram sua maior queda mensal até hoje, atingindo uma taxa de saída de capital de 150 mil BTC por mês. Corresponde a uma redução comum no saldo de 5% a 6% do total ao longo de junho. É um contraste gritante do fluxo de moedas que entraram para corretoras entre maio e junho de 2021.

Variação da posição líquida de bitcoin em todas as corretoras (Imagem: Glassnode)

Para onde foram todas as moedas?

A maior variação de posição líquida em corretoras até hoje foi complementada pela maior variação no fornecimento ilíquido desde junho de 2017. O fornecimento ilíquido aumentou em 223 mil BTC em julho, refletindo uma enorme movimentação de moedas para carteiras com pouco ou nenhum histórico de gastos (de modo geral, estas carteiras não são corretoras).

Novamente, esse é um contraste direto tanto a maio de 2021 como durante o colapso de LUNA, que registraram um colapso no preço e no fornecimento ilíquido.

Variação no fornecimento ilíquido do bitcoin (Imagem: Glassnode)

Conforme corretoras, como um todo, continuam se exaurindo, é possível visualizar uma acumulação agressiva acontecendo tanto pelos maiores participantes (com mais de 10 mil BTC) como pelos menores participantes (com menos de 1 BTC).

Tanto “camarões” como “baleias” tiveram escores quase perfeitos (na cor azul) na métrica de escore de tendência de acumulação desde meados de maio, indicando que seu saldo em blockchain aumentou de forma significativa e consistente.

Grupos que possuem entre 10 e 10 mil BTC estão quase perfeitamente neutros, sem variação notável em seus saldos totais.

Escore de tendência de acumulação por grupo e preço (Imagem: Glassnode Engine Room)

Aprofundando ainda mais, é possível ver que “camarões” estão aumentando seus saldos a uma taxa de 60,46 mil BTC por mês — a taxa mais agressiva na História. É equivalente a 0,32% do fornecimento mensal em circulação. Curiosamente, a taxa de expansão do saldo de “camarões” ultrapassa o recorde anterior registrado em dezembro de 2017, quando o preço também estava em US$ 20 mil.

O grupo de camarões claramente considera US$ 20 mil como um preço atrativo, apesar de, desta vez, o mercado estar indo na direção contrária.

Variação da posição líquida por camarões de bitcoin (Imagem: Glassnode)

Por fim, o gráfico abaixo é derivado das métricas de volume de baleias de/para corretoras, onde uma “baleia” é identificada como uma entidade com mais de 1 mil BTC (fora mineradores e corretoras).

Em termos líquidos, baleias sacaram 8,69 milhões de BTC das corretoras rastreadas e seus ciclos de acumulação e distribuição parecem estar bem-correlacionados ao desempenho do preço de mercado.

Desde abril de 2022, o volume de baleias em corretoras foi predominantemente de saques, atingindo uma taxa significativa de 140 mil BTC por mês em junho. Foi a segunda maior taxa registrada nos últimos cinco anos, ultrapassada apenas pela correção em janeiro de 2021.

Variação da posição líquida por baleias de bitcoin de/para corretoras (Imagem: Glassnode)

Conclusões

A atividade em blockchain do Bitcoin está firme no território do mercado de baixa e a utilização mais recente da rede sugere que aconteceu uma expulsão quase completa de todos os turistas do mercado. A demanda por espaço em blocos está baixa e o crescimento do número de usuários na rede está, no mínimo, fraco.

Porém, sob a superfície, o mercado está passando por inúmeras divergências bem intrigantes. Apesar de estarem passando por um ano historicamente ruim e, agora, terem registrado o pior mês em termos de desempenho de preço desde 2011, os HODLers continuam firmes.

Reservas de corretoras continuam diminuindo à medida que participantes encontram um fôlego renovado na autocustódia. Essas moedas parecem estar sendo transferidas para carteiras sem histórico de gastos e o crescimento de saldo e a atividade de saque em corretoras tanto pelos grupos de camarões como de baleias estão registrando níveis historicamente agressivos.

O ciclo de baixa do bitcoin está firme e forte e, por seu caminho, os HODLers em última instância são os únicos que restaram.

Sobre o autor

Glassnode é a maior provedora de dados e inteligência de blockchain que gera métricas e ferramentas on-chain para quem realmente quer entender o mercado de criptomoedas.

*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização da Glassnode.