Trono da série Game of Thrones
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Na semana passada, a Meta, anteriormente conhecida como Facebook, anunciou que começaria a vender roupas virtuais feitas pela DRESSX em sua Avatar Store.

A notícia foi um momento marcante para as grifes de moda digital. Até semana passada, apenas três grifes — Prada, Balenciaga e Thom Brown, famosas por suas lojas físicas — haviam sido convidadas pela gigante rede social para criar vestuário digital para avatares no metaverso.

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Pela primeira vez, uma empresa de moda digitalmente nativa foi convidada para a festa — ainda mais para uma festa criada pela corporação mais colossal que opera no metaverso.

Sem dúvidas, a parceria da DRESSX com a Meta merece bastante destaque. O porquê da parceria é algo que gera conflito. 

Para alguns, é um grande passo para a moda digital como um todo pois, em breve, bilhões de usuários do Facebook, Instagram e Messenger terão acesso a roupas digitais pela primeira vez.

Porém, para outros no mundo da moda digital, a iniciativa lembra mais uma traição a nível “Game of Thrones”: O salto de uma suposta aliada da descentralização no campo da maior inimiga da causa, logo quando os últimos limites estão sendo delineados no que alguns dos líderes da indústria chamaram de “a batalha pelo futuro da internet”.

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Conosco ou contra nós

Quando o Facebook se reformulou como Meta em 2021, a iniciativa sinalizou uma completa reorientação da empresa de US$ 450 bilhões para um único objetivo: dominar o metaverso. Quase imediatamente, pioneiros desenvolvedores do metaverso criticaram a iniciativa, argumentando que ameaçava a utopia on-line que tentavam desenvolver.

Esse “metaverso aberto” foi imaginado como uma constelação de vizinhanças digitais operadas de forma independente, em que os dados privados e os bens digitais de um usuário poderiam se movimentar livremente.

Críticos da Meta se preocuparam que o modelo de negócios da gigante empresa dependesse do controle dos dados e análises dos usuários, que a empresa criasse um enorme feudo privado exatamente no centro de seu mundo infinito, no qual a Meta iria reter o controle dos dados de seus usuários.

Nesse mundo digital, ativos digitais não apenas são transferidos livremente entre plataformas — um vestido digital comprado na plataforma da Meta, por exemplo, continuaria preso nos muros próprios e impenetráveis da empresa.

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Além disso, as consequências dessa grande “batalha” eram inevitáveis na crescente indústria da moda digital: Você ou está desenvolvendo roupas digitais para um metaverso sem fronteiras ou para um metaverso com fronteiras.

“Gaiola digital”

Essas questões serviram de base para os argumentos teóricos. Agora, conforme o metaverso começa a tomar forma e acordos estão sendo fechados, estão começando a ter consequências reais.

Para alguns que fazem parte do intimista ecossistema da moda digital, a parceria da DRESSX com a Meta é uma grande traição ao potencial de um “metaverso aberto”.

“Zuckerberg, Facebook… Sempre deixaram bem claro que não querem um metaverso aberto, descentralizado e livre”, explicou Emma-Jane MacKinnon-Lee, fundadora da startup de moda digital Digitalax, ao Decrypt. “Querem uma que seja bastante controlada […], onde são o principal ponto de opressão. E a DRESSX firmou uma parceria com eles.”

Para MacKinnon-Lee, o fato de a DRESSX se juntar à Meta neste exemplo não é incidental, e sim demonstra as alianças verdadeiras da startup.

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“O que essa parceria acabou de mostrar é que não estar dispostos [em criar] um metaverso aberto e descentralizado”, criticou MacKinnon-Lee. “Estão basicamente criando uma gaiola digital.”

As roupas digitais disponíveis na Avatar Store da Meta, incluindo as criações da DRESSX, são compatíveis apenas com as plataformas da empresa e não podem ser removidas delas.

“Se você emite em uma blockchain, isso não necessariamente significa que está cumprindo com os princípios da descentralização, da autossoberania, liberdade e liberdade para todos que interagem com aquela rede”, acrescentou MacKinnon-Lee. “O Facebook controla o que entra e sai da rede, quem pode fazer o quê. É a antítese da Web3.”

Roupas à venda na Avatar Store da Meta não foram desenvolvidas em blockchain.

Diferente de tokens não fungíveis (ou NFTs, na sigla em inglês) que existem na blockchain e comprovam a propriedade sobre um item e podem existir de forma independente em qualquer plataforma centralizada, as roupas da Meta são “off-chain”, ou seja, existem e morrem nas plataformas da empresa, assim como um ativo comprado em um videogame.

Para outros no setor de moda digital, esse fato não é um problema e, na realidade, destaca a diferença semântica, porém importante entre “moda Web3”, defendida por MacKinnon-Lee, e “moda digital”, criada por DRESSX.

“A missão [da DRESSX] é fomentar a adesão da moda digital como um meio e, creio eu, diminuir as barreiras para criadores e consumidores em relação ao preço ou liberdade de expressão”, afirmou Dani Loftus, fundadora da plataforma de moda digital Draup. “[Preferem isso] em vez de sua missão [focar] em torno do etos Web3 da descentralização.”

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A DRESSX foi fundada em agosto de 2020, tornando-se uma das marcas mais antigas no setor de moda digital. De início, a empresa vendia roupas digitais que não eram desenvolvidas em blockchain.

Em seguida, migraram para a venda de NFTs e, agora, vendem roupas digitais tanto “on-chain” quanto “off-chain”. Suas roupas disponíveis na loja da Meta variam entre US$ 2,99 e US$ 8,99.

Para Megan Kaspar, membra do grande coletivo de moda digital Red DAO, essa dimensão demonstra a versatilidade da DRESSX, conforme demonstra sua parceria com a Meta.

“A parceria é uma iniciativa poderosa para a DRESSX”, contou Kaspar ao Decrypt. “A empresa agora é a única plataforma de moda digital que oferece produtos e serviços tanto on-chain como off-chain para importantes plataformas centralizadas e descentralizadas.” 

Para MacKinnon-Lee, a DRESSX apresentar tanto produtos Web2 como Web3, culturas e empresas nos últimos dois anos é hipocrisia.

“Começaram como [uma empresa] Web2 e depois entraram no bonde dos NFTs e da descentralização”, criticou MacKinnon-Lee. “Fingiram ser Web3 pelo hype. Agora que os mercados se acalmaram, estão se questionando: ‘OK, para onde vamos agora?’.”

“Uma pergunta para a equipe da Meta”

Para os fundadores da DRESSX, o acordo da startup com a Meta — resultado de mais de seis meses de conversas — é uma grande conquista com o potencial de levar roupas digitais aos guarda-roupas digitais de bilhões que interagem diariamente com as plataformas da Meta.

“A DRESSX quer um futuro em que cada pessoa no mundo possui um guarda-roupa digital”, afirmou Daria Shapovalova, cofundadora da startup, ao Decrypt. “E uma oportunidade de trabalhar com empresas como a Meta, principalmente se acreditam no conceito do metaverso, puderem nos ajudar a escalar mais rápido.”

Para a cofundadora Natalia Modenova, o acordo se encaixa perfeitamente com o etos da DRESSX. “Nossa visão é que cada empresa de tecnologia no mundo possa aderir à moda digital”, contou ela ao Decrypt.

Em relação às questões relacionadas à interoperabilidade ou se roupas digitais podem viajar livremente entre plataformas, Modenova rejeitou preocupações de que a parceria com a Meta restringisse os direitos de propriedade dos clientes. “Eu diria que é interoperável entre as plataformas da Meta”, explicou.

“[É interoperável] entre, por exemplo, o Facebook e Instagram. Já desenvolveram um ecossistema.”

Quando perguntadas se a DRESSX tinha problemas com a visão da Meta para o metaverso, ambas as cofundadoras se negaram a responder, afirmando que era “mais uma pergunta para a equipe da Meta”.

Iniciativa para valer ou ação de publicidade?

Em junho, a Meta realizou uma promessa pública de criar um “metaverso aberto e inclusivo”, mas muitos criticaram a iniciativa como uma ação vazia de publicidade que visava ofuscar o fato de que a megacorporação não havia se comprometido em evitar controlar os ativos e dados dos usuários.

Quando perguntado se a empresa tem planos de permitir que ativos digitais, como roupas digitais, sejam livremente movimentados pelas plataformas da Meta, um representante da empresa contou ao Decrypt: “Nosso objetivo é facilitar que as pessoas levem seus avatares da Meta para mais lugares”.

O representante citou a atual capacidade de avatares Metas viajarem pelo Facebook, Instagram e Messenger e pelos aplicativos que compõem o ecossistema de realidade virtual Meta Quest VR.

Porém, o porta-voz não deu detalhes sobre a intenção de, no futuro, permitir que ativos digitais externos existam nas plataformas da Meta nem permitir que ativos adquiridos nas plataformas da Meta sejam removidos deles. Os representantes da Meta também se negaram a responder a uma pergunta em relação ao controle da empresa sobre os dados de usuários em seu ecossistema.

O metaverso é algo prometido há anos. Só agora esse mundo virtual imaginado por mundos está tomando forma.

Conforme dezenas de bilhões de dólares são alocados em um setor que poderá valer trilhões, distinções antes enigmáticas — entre mundos virtuais sem fronteiras e outros com fronteiras, entre controle público e próprio dos dados de usuários, entre, talvez, a moda Web3 e a moda digital — talvez possam ter consequências financeiras e culturais bastante reais.

*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.

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