A Crise de 29 foi uma das mais longas recessões econômicas em toda história e, nessa semana, ela completa 90 anos.
Suas consequências foram terríveis para todo o mundo, especialmente para os americanos. Esse artigo vai buscar explicar as causas desse evento simbólico do capitalismo e, ao mesmo tempo, infeliz.
A grande crise de 29
Há quem diga que a crise começou no que ficou conhecido como a “terça-feira negra”, que foi o dia em que o Dow Jones despencou mais de 12% em apenas um dia.
No entanto, esse foi apenas um dos sintomas. As raízes da crise já haviam sido plantadas no início da Primeira Guerra Mundial.
A Crise de 29 foi uma longa recessão econômica caracterizada por elevados índices de desemprego, depressão no mercado de ações, empobrecimento dos trabalhadores americanos, intervencionismo do governo e confisco de ouro da população.
Essa recessão também sinalizou o fim do “American Way of Life”, conhecido pelo alto padrão de consumo como um estilo de vida a ser seguido por todos os americanos.
A destruição do padrão ouro
As raízes da crise de 29 são observáveis ainda na primeira Guerra Mundial, com o fim do padrão ouro. Para quem não sabe, o dinheiro era 100% lastreado e resgatável em ouro até a Primeira guerra.
Isso flexibilizou ainda mais a situação dos bancos, que agora poderiam emitir mais papel-moeda do que suas reservas de ouro.
Aumentar a quantidade de dinheiro sem haver lastro é conhecido como reserva fracionária, um fator-chave para explicar a grande recessão de 29. Agora os bancos poderiam imprimir dinheiro e expandir crédito sem o risco de serem liquidados mediante o resgate de ouro.
Os loucos anos 20
Aço, ferro, concreto, carvão, madeira, indústria e reconstrução da Europa. Esses foram os responsáveis pelo forte crescimento da economia americana.
A palavra-chave para isso foi crédito. O mercado creditício nos Estados Unidos se aqueceu como nunca. O recém-criado Federal Reserve (Banco Central Americano) praticou seguidos cortes nas taxas de juros durante os anos 20. No total, a taxa de juros caiu de 6% ao ano para 3,5% em um espaço de 7 anos.
A economia americana já apresentava rachaduras em 1924. Diante de um fraco crescimento, o FED comprou do mercado US$ 500 milhões de dólares à época em títulos públicos do governo dos Estados Unidos, em uma tentativa de estimular a economia.
Por meio das reservas fracionárias, o crédito de US$ 500 milhões se transformou em mais de US$ 4 bilhões de dólares injetados na economia.
O início do fim
A economia americana, no geral, teve um excepcional crescimento durante os anos 20. Basta observar o gráfico do PIB:
A produtividade das indústrias, emprego, renda dos trabalhadores e padrão de consumo estavam em níveis nunca antes vistos. O sentimento de euforia tomava conta de toda população americana.
O índice de ações de empresas americanas havia disparado durante o período, acumulando uma alta de 517% de 1923 a 1929. O investimento em ações havia virado febre entre todas as classes sociais nos Estados Unidos.
Muitos investidores americanos estavam se aproveitando da expansão de crédito para praticar alavancagem no mercado de ações. A fonte de crédito secou quando o FED subiu os juros de 3,5% para 5% em 5 meses.
O crédito mais caro retirou a liquidez da economia e deu início a um ciclo econômico. Com ausência de liquidez e crédito, a economia desaquece, assim como a atividade especulativa. O próximo passo? A queda do preço das ações.
E caíram. O Dow Jones despencou mais de 12% no fatídico dia que ficou conhecido como terça-feira negra. Em apenas 2 dias as quedas acentuaram e o Dow Jones acumulou uma perda de mais de 35%.
Pouca gente sabe, mas um catalisador do crash no mercado de ações foi medo de guerra comercial. O que corria era que o presidente Hoover estava para implantar a Tarifa Smoot-Hawley, que elevaria as tarifas de importação de mais de 20 mil produtos. Além de encarecer substantivamente as importações, isso geraria uma guerra comercial.
O colapso
O desastre no mercado de ações fez a população entrar em pânico. Iniciou-se uma corrida bancária e uma série de calotes que, em conjunto, causaram uma série de falências de diversos bancos e o colapso monetário.
Isso fez o preço do ouro disparar. O governo americano, porém, acreditava que a crise estava sendo agravada pelo entesouramento de ouro. Como consequência, lançou mão da Ordem Executiva 6102 em 1933, que proibia qualquer cidadão de portar ouro.
O governo obrigou a população a entregar seu ouro por US$ 20,67 a onça troy (medida equivalente a 28 gramas) e logo após subiu o preço para US$ 35 a onça troy.
Após o intervencionista presidente Hoover, veio o ainda mais intervencionista Roosevelt com o New Deal. A economia americana, contudo, só se recuperaria em 1946, após o final da Segunda Guerra Mundial.
Alguma semelhança com os dias atuais?
As bolsas não param de subir ao redor do mundo e estamos vivendo em um cenário de juros negativos. O crash de 29 pode e vai se repetir enquanto Bancos Centrais puderem imprimir o quanto quiserem através do programa de Quantitative Easing.
Juros artificialmente baixos criam ciclos econômicos que resultam em grandes crashes como os de 1929 e 2008. Isso não é questão de historicismo, é questão de Lei Econômica.
O medo de recessão global é real e se torna evidente com a inversão da curva de juros, a desaceleração econômica e medo de guerra comercial entre EUA e China. O dinheiro está extremamente barato e os Bancos Centrais continuam cortando juros.
Diante desse cenário, a demanda por ouro cresceu e investidores estão buscando proteção. Coincidentemente, o Bitcoin passa a ganhar espaço como “safe heaven” por não ter relação com o mercado de ações, podendo servir como um ativo de proteção para tempos de crise.
O fato é que o mundo está estranho e juros negativos não são nada saudáveis para a economia mundial. Eu já fiz meu hedge contra esses eventos e posso dormir sereno. E você?
Sobre o autor
Lucas Bassotto da Silva, economista da Nox Bitcoin.