Imagem da matéria: O que os dados onchain da Glassnode revelam sobre a queda espetacular da Terra (LUNA)
(Foto: Shutterstock)

Os mercados de criptomoedas passaram por uma semana de volatilidade e caos históricos, com o foco central no valor de duas stablecoins: terrausd (UST) e tether (USDT). Ao longo de poucos dias, esses dois ativos — parte das dez principais criptomoedas por capitalização de mercado — removeram quase US$ 40 bilhões de valor do bolso de seus investidores.

A UST perdeu completamente sua paridade de US$ 1. Já LUNA despencou para um preço de US$ 0,00001, à medida que seu fornecimento ficou superinflacionado. Como consequência, a Luna Foundation Guard (ou LFG, na sigla em inglês), gestora das duas criptomoedas, implementou suas reservas recém-alocadas de 80.394 BTC para defender a paridade da UST, mas sem sucesso.

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Ao longo da semana passada e junto com a notícia sobre a perda de paridade da UST, o mercado temporariamente expressou medo sobre a qualidade do lastro da USDT. A stablecoin rapidamente caiu para uma baixa de US$ 0,9565. Porém, se recuperou em menos de 24 horas e está precificada em US$ 0,998.

Em meio ao contágio das stablecoins e sob o peso dos US$ 3,275 bilhões em bitcoins (BTC) vendidos pela LFG, o bitcoin caiu 21,2% e chegou a ser negociado em US$ 26.513. É o menor preço desde dezembro de 2020 e, naturalmente, põe o mercado sob estresse financeiro.

Na edição desta semana, a Glassnode analisa três tópicos principais:

– As dinâmicas de mercado para UST e LUNA, o que aconteceu com os fornecimentos de ambos os tokens e como as reservas em bitcoin da LFG foram implementadas.

– A breve perda de paridade da UST e seu impacto na percepção do mercado sobre outras stablecoins, como USDC, BUSD e DAI.

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– O preço do bitcoin era negociado abaixo do preço realizado, que é, historicamente, um nível significativo de suporte e a reação observável dos mercados a esse evento.

Preço do bitcoin na vigésima semana do ano (Imagem: Glassnode)

A espetacular queda de LUNA

Nos últimos anos, o mercado viu stablecoins atingirem um auge e representarem uma porção considerável da capitalização total de mercado de todos os ativos digitais. No último domingo (8), stablecoins registravam mais de US$ 135 bilhões em valor entre USDT, USDC, BUSD, DAI e UST.

Stablecoins têm diferentes tipos, mas podem ser divididas em três tipos principais:

– Com garantias (ou “colateralizadas”) – USDT, USDC, BUSD;

– Cripto com sobregarantias (ou “sobrecolateralizadas”) – DAI;

– Algorítmica (UST).

No caso da UST e do LUNA, o design algorítmico permitia que usuários convertessem 1 UST em US$ 1 equivalente em LUNA (e vice-versa), independente do preço de mercado para ambos os ativos. Na realidade, isso significava que o fornecimento de LUNA era reduzido (fazendo seu preço subir) quando havia demanda por UST.

Porém, essa mesma reflexividade funcionava de forma reversa: Quando a demanda caía e o preço despencava, o fornecimento de LUNA podia ficar (e ficava) hiperinflacionado.

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A paridade da UST começou a cair na última segunda-feira (9), quando LUNA estava precificado em US$ 60 (e estava 49,5% distante de sua alta recorde de US$ 119). Nas 36 horas seguintes, o preço de LUNA caiu abaixo de US$ 0,1 e a UST oscilou entre US$ 0,30 e US$ 0,82.

Isso sobrecarregou o mecanismo de resgate do protocolo, pois usuários entraram em pânico e queriam arbitrar a conversão de 1 UST por US$ 1 em LUNA, inflacionando a demanda e fazendo preços despencarem ainda mais.

Neste momento, LUNA está sendo negociado a US$ 0,0002 (99,9998% distante de sua alta recorde) e UST está se estabilizando em cerca de US$ 0,11 — bem abaixo da paridade desejada de US$ 1.

Preço do LUNA e da UST durante a perda de paridade (Imagem: Glassnode)

A magnitude da inflação na oferta de LUNA é perceptível no gráfico abaixo, onde a oferta da UST (na cor verde à direita) está em escala linear enquanto a oferta do LUNA (na cor vermelha à esquerda) está em escala logarítmica.

Ao longo de uma semana, 7,5 bilhões em UST foram resgatados (40% do fornecimento) enquanto a oferta de LUNA inflacionou de 343 milhões para mais de 6,53 trilhões — uma taxa anualizada de inflação de 99.263.840%.

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Curvas de oferta de LUNA vs. UST (Imagem: Glassnode)

Em um momento específico da última sexta-feira (13), a blockchain LUNA foi “desligada” como consequência de efeitos de segunda ordem à estabilidade da rede e governança por conta do fornecimento hiperinflacionado.

À medida que a UST perdia sua paridade, a LFG começou a implementar suas reservas recém-alocadas de bitcoin em uma tentativa de estabilizar a stablecoin. O total de suas reservas havia chegado a 80.394 BTC nos últimos meses — as duas maiores aquisições haviam acontecido entre os dias 21 de março e 5 de maio de 2022.

O valor total realizado de suas alocações, com as moedas avaliadas no momento em que foram acrescentadas à carteira, era de US$ 3,275 bilhões.

Essas carteiras foram completamente esvaziadas em um período de 21,5 horas entre os dias 9 e 10 de maio.

Saldo da Luna Foundation (Imagem: Glassnode)

O saldo em bitcoin da LFG foi esvaziado em três tranches, conforme mostrado abaixo.

A primeira tranche alocou cerca de 22.189 BTC (ou US$ 750 milhões) no dia 9 de maio às 00h40 (horário de Brasília) à medida que a UST estava sendo negociada a US$ 0,98. A segunda tranche de 30 mil BTC (US$ 916 milhões) foi alocada às 15h35; a terceira, de 28.205 BTC (US$ 873 milhões) já havia sido esvaziada da carteira às 21h50.

Uma série de transferências a corretoras (na cor azul) aconteceram entre 15h30 e 22h10 (horário de Brasília) do dia 9 de maio à medida que as moedas foram movimentadas entre custodiantes pelos formadores de mercado contratados pela LFG. Segundo a avaliação da Glassnode, o destino final dessas moedas foi:

– 52.189 BTC enviados à Gemini por meio de mesas de mercado de balcão (ou OTC) — que foram rapidamente transferidos para outras plataformas, incluindo Binance);

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– 28.205 BTC enviados à Binance via transferência direta.

Saldo da Luna Foundation vs. fluxos enviados a corretoras (Imagem: Glassnode)

Desde então, a LFG confirmou que quase todos os bitcoins foram vendidos e, nesta segunda-feira (16), possuem apenas 313 BTC restantes no inventário.

Saldos agregados em corretoras aumentaram em cerca de 88 mil BTC ao longo desse período, que é maior do que os 80.394 BTC alocados pela LFG. Isso sinaliza que esses acontecimentos resultaram em um efeito de contágio e pânico à medida que investidores em bitcoin cederam à pressão de venda.

Uma enorme saída de capital aconteceu na Coinbase no último sábado (14), apesar de não parecer que foi uma plataforma recebedora de moedas fornecidas pela LFG.

Saldo de bitcoin em corretoras – todas as corretoras (Imagem: Glassnode

O contágio das moedas instáveis

Como se a semana já não tivesse sido caótica, na quarta-feira (11), tether (USDT), a maior stablecoin em termos de capitalização de mercado, viu sua paridade ficar sob pressão.

Embora a UST tivesse um tamanho significativo (US$ 21 bilhões), muitos consideram a USDT, com seus US$ 83 bilhões, sistematicamente importante ao mercado atualmente, sendo o par dominante de cotações em muitas corretoras.

Entre os dias 11 e 12 de maio, a USDT foi negociada abaixo de US$ 1 a uma baixa de US$ 0,9565 antes de se recuperar, em menos de 36 horas, para US$ 0,998.

Durante essa época, outras grandes stablecoins USDC, BUSD e DAI passaram por uma alta entre 1% e 2% em sua paridade conforme investidores recorriam a ativos que julgaram estar com menos risco de “contágio”.

Preços de stablecoins (Imagem: Glassnode)

Na última quinta-feira (12), a Tether havia anunciado que, durante a pior parte do estresse da paridade, que resgates continuavam disponíveis e ativos e que os US$ 2 bilhões de reservas já estavam a caminho.

Ao analisar o fornecimento dessa stablecoin, é possível analisar que mais de US$ 7,4 bilhões em USDT foram resgatados na última semana. A oferta total de USDT caiu de uma alta recorde de US$ 81,2 bilhões para US$ 75,7 bilhões.

A anterior redução de US$ 2,9 bilhões no fornecimento de stablecoins era a maior na História, direcionada principalmente pela USDC. Assim, uma saída de capital dessa magnitude agora pôs a semana passada na “pole position” com essa métrica.

Fornecimento em circulação da tether (USDT) em dólares (Imagem: Glassnode)

Também houve mudanças interessantes no fornecimento de outras grandes stablecoins na última semana, fornecendo percepções sobre a preferência de mercado durante épocas de estresse. A USDC reverteu a tendência da redução de oferta que acontece desde o fim de fevereiro, expandindo-se em US$ 2,6 bilhões.

Dado o crescimento dominante da USDC nos últimos dois anos, esse pode ser um indicador de mudança na preferência do mercado da USDT pela USDC.

Fornecimento em circulação da USD Coin (USDC) em dólares (Imagem: Glassnode)

Outra stablecoin que passou por uma mudança drástica na oferta é DAI, cujo fornecimento caiu 24,4% à medida que US$ 2 bilhões foram “queimados” (removidos de circulação). DAI é uma stablecoin sobregarantida, lastreada por outros ativos digitais depositados no protocolo Maker.

A oferta de DAI é reduzida quando holders de dívida encerram suas posições ao pagar seus empréstimos e queimarem DAI.

Esse processo pode ser condicional ou forçado caso haja uma liquidação de um “vault”. Porém, apesar da alta volatilidade nos ativos que servem de garantia, a demanda crescente por DAI e os eventos de liquidação, DAI conseguiu manter uma forte paridade de US$ 1, apesar de estar sendo negociada acima do valor desejado.

Fornecimento em circulação do sistema DAI de Garantias Múltiplas em dólares (Imagem: Glassnode)

Prejuízos realizados em blockchain

À medida que a saga do LUNA se desenrolava, os bitcoins adquiridos pela LFG eram gastos na blockchain a preços bem abaixo do custo de aquisição. Conforme a paridade da USDT também estava sob pressão, o preço do bitcoin estava abaixo do nível de suporte de US$ 29 mil estabelecido em julho de 2021.

Colocou todos os investidores do ciclo 2021-2022 em prejuízo e precipitou um significativo e amplo prejuízo líquido.

Prejuízos líquidos realizados por todos os gastos em blockchain atingiram mais de US$ 2,5 bilhões durante dois dias consecutivos, alinhados aos maiores eventos de capitulação (desistência de ganhos anteriormente obtidos pela venda de posições em épocas de queda) da História — caso sejam considerados como um todo.

Apenas a LFG contribuiu com um prejuízo realizado total de US$ 703,7 milhões. Essa quantia reflete os prejuízos entre o período em que as moedas entraram e saíram da carteira, e não levam em consideração os prejuízos adicionais de quando o bitcoin foi negociado pela UST e pelo LUNA hiperinflacionado.

Prejuízo/lucro líquido realizado em bitcoin (em dólares) (Imagem: Glassnode)

À medida que o mercado de bitcoins aumenta de tamanho, é natural que os prejuízos denominados em dólares sejam maiores ao longo do tempo. Além disso, é possível estabelecer uma métrica de “prejuízo realizado relativo” ao dividir o prejuízo realizado diário na rede pela capitalização realizada para comparar “maçãs” entre ciclos.

Aqui, é possível notar que a capitulação de LUNA ainda precipitou um dos maiores eventos de prejuízo dos últimos cinco anos, resultando em prejuízos totais equivalentes a 0,28% da capitalização realidade. É possível comparar essa situação:

– ao início e ao fim dos eventos de liquidação no mercado de baixa de 2018;

– à queda resultante da covid-19 em março de 2020;

– à liquidação em maio de 2021 que, por ironia do destino, está celebrando seu primeiro aniversário esta semana.

Prejuízo realizado relativo em bitcoin (Imagem: Glassnode)

Proximidade ao preço realizado

O preço realizado é um dos conceitos de métrica mais antigos e fundamentais da análise em blockchain. É calculado pela divisão da capitalização realizada (a soma de todos os valores das moedas no momento em que foram movimentadas pela última vez) pelo fornecimento em circulação.

Além disso, apresenta uma estimativa da base de custo total de todas as moedas no fornecimento.

Historicamente, o preço realizado forneceu um suporte adequado durante mercados de baixa e sinais de formação de fundos de mercado quando o preço de mercado era negociado abaixo dele. A tabela abaixo mostra os ciclos anteriores do mercado de baixa e a proporção de tempo em que preços eram negociados abaixo do preço realizado.

É possível notar que, ao longo do tempo, cada ciclo de baixa passou menos tempo abaixo do preço realizado. Pode ser, em parte, resultado da conscientização geral de mercado sobre sua existência (foi descoberto em 2018).

Março de 2020 continua sendo o desvio mais notável, com apenas sete dias gastos abaixo do preço realizado em vez de meses, conforme registrado em ciclos anteriores.

Tradução feita a partir da tabela fornecida pela Glassnode.

À medida que o mercado atingiu a baixa semanal de US$ 26.513, o preço realizado estava em US$ 25 mil. Quando o mercado entrou em colapso por conta das vendas de bitcoin pela LFG, a destruição do valor alocado em LUNA e UST e o receio da perda de paridade da USDT, preços “spot” (ou de negociação à vista) caíram 9,5% do preço realizado.

Como consequência dos prejuízos totais e realizados descritos acima, a capitalização realizada caiu em US$ 7,92 bilhões, representando uma saída de capital da rede Bitcoin, fazendo com que o preço realizado caísse em US$ 60 (de US$ 24 mil para US$ 23.940).

Preço realizado do bitcoin (em dólares) (Imagem: Glassnode)

Porém, apesar da volatilidade, os touros no mercado pareceram responder fortemente à medida que preços caíram em direção ao preço realizado. O gráfico e a tabela abaixo mostram o escore de tendência de acumulação, em que os valores retornam e ficam próximos a 1 quando uma grande proporção do mercado está aumentando seus saldos em blockchain.

Na quinta-feira (12), quando o mercado estava em seu nível mais baixo, o escore de tendência de acumulação se reverteu dos valores mais fracos (abaixo de 0,3) para voltar a valores mais altos (de 0,796).

Para apoiar o preço do bitcoin a voltar para os US$ 30 mil, o escore registrou valores acima de 0,9 durante o restante da semana, sugerindo que uma forte atividade de compra aconteceu.

Escore de tendência de acumulação de bitcoin (Imagem: Glassnode)

Isso pode ser confirmado ao analisar os diversos grupos de carteira que participaram. É possível notar que houve uma drástica reversão do fraco acúmulo (abaixo de 0,3, cores quentes) dentre todos os grupos no início de maio para um forte acúmulo (acima de 0,7, cores frias).

Pequenos holders (com saldo inferior a 1 BTC) foram os maiores acumuladores e foram apoiados por “baleias” com mais de 10 mil BTC (que incluem o saldo da LFG, que foi completamente distributivo). Grupos de carteira que possuem entre 100 BTC a 10 mil BTC continuaram fracos em sua acumulação líquida.

A principal observação é que, embora saldos em carteiras estavam maiores, prejuízos realizados atingiram uma escala histórica e a LFG vendeu 80 mil BTC, o mercado total ainda acumulou saldos. Isso compensou os impactos de distribuição que haviam prejudicado muito o escore de tendência de acumulação da semana retrasada.

Escore de tendência de acumulação em bitcoin por grupos de carteira (Imagem: Glassnode)

Conclusões

O que aconteceu na semana passada foi histórico por si só. No entanto, de diversas formas, alinha-se às características de um clássico mercado de baixa de criptoativos. Houve inúmeros exemplos de grandes projetos de criptomoedas que se mostraram instáveis e acabaram colapsando sozinhos.

Tais eventos são precipitados pela pressão de queda no preço em um mercado de baixa conforme a demanda enfraquece e os sistemas experimentais (que sempre são alavancados) ficam sob estresse.

À medida que stablecoins se tornam cada vez mais integradas como uma infraestrutura de camada base do mercado, as ondas de choque de um evento de perda de paridade, principalmente na maior stablecoin (USDT), terão amplos impactos.

A dupla perda de paridade da UST e da USDT, a destruição de cerca de US$ 40 bilhões no valor de LUNA/UST e a LFG acrescentando uma pressão de venda de 80 mil BTC criaram a tempestade perfeita. Esse acontecimento irá, sem dúvidas, atrair um holofote regulatório a um maior ritmo e uma maior urgência.

Ainda veremos se um retorno completo ao preço realizado será necessário para pôr fim a este mercado de baixa e se ele irá durar meses, semanas, dias ou apenas um momento. Talvez, esses dias já tenham passado se a acumulação observada indicar que os “touros” estão dispostos a aguentar a faixa de US$ 20 mil.

Também é importante notar que ainda existem inúmeras forças macro, inflacionárias e monetárias atuando como obstáculos. O caminho a seguir provavelmente continuará sendo bem difícil.

Sobre o autor

Glassnode é a maior provedora de dados e inteligência de blockchain que gera métricas e ferramentas on-chain para quem realmente quer entender o mercado de criptomoedas.

*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização da Glassnode.