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Regulação lenta das stablecoins pode abrir espaço ao crime organizado, aponta Banco Central

Audiência na Câmara dos Deputados reúne BC, indústria e parlamentares para debater necessidade de ajustes no PL das stablecoins

Imagens dos símbolos das principais stablecoins
Shutterstock

Um dos principais temas do mercado de criptomoedas no mundo, as stablecoins foram assunto de um evento na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (28), que focou em tratar da necessidade de regulação desse segmento. Já existe no Brasil o Projeto de Lei 4308, que trata especificamente da emissão de das moedas digitais estáveis no país.

O encontro reuniu representantes do Banco Central, da indústria de criptoativos e do Legislativo, que discutiram ajustes ao texto e os desafios para a criação de um marco regulatório sólido para esse tipo de ativo digital.

No primeiro painel do seminário “Regulação de Stablecoins no Brasil”, o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) destacou que o PL 4308 já está há quase um ano na Comissão de Ciência e Tecnologia e que não acredita que o texto seja votado ainda este ano. Por outro lado, ele prevê que o projeto será aprovado no início do primeiro semestre de 2026.

O deputado ainda ressaltou a necessidade de que o projeto não demore muito para ser aprovado, vista a velocidade com que o setor cripto se desenvolve. “Acredito que a gente vai, com as melhorias apresentadas, aprovar esse projeto de uma forma com a celeridade que também o tema exige. Eu tenho clareza que estamos no caminho certo, deputados dedicados ao tema, contribuição do setor mais unificada”, afirmou.

Sobre o debate e necessidade de ajustes no projeto de regulação, o Banco Central reforçou que o PL representa um avanço importante, mas ainda precisa de ajustes para garantir segurança jurídica e estabilidade.

Antonio Marcos Guimarães, do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC, defendeu, em um outro painel do evento, a restrição da definição de stablecoins apenas a tokens lastreados em moeda fiduciária, como real, dólar ou euro: “Essa limitação permite uma regulamentação mais sólida, cria uma conexão com a Lei 14.478 e evita sobreposição com normas já existentes em outros mercados, como de derivativos ou duplicatas”.

Segregação e urgência pela regulação

Outro ponto debatido foi a extensão do patrimônio de afetação também aos ativos que lastreiam as stablecoins, ou seja, a segregação patrimonial. “Não faz sentido proteger apenas o ativo em si, sem que o investidor tenha acesso ao lastro em caso de quebra da corretora. O patrimônio de afetação deve alcançar os ativos de reserva, garantindo maior segurança”, explicou Guimarães.

Já o analista legislativo Ricardo Paixão elogiou o substitutivo do PL 4308 por trazer uma solução prática, em especial no ponto em que alterou o texto original que exigia que a emissão da stablecoin fosse feita em território nacional para transferir a responsabilidade para corretores e bancos locais que vendem ou intermediam o acesso às stablecoins. “Isso garante que sempre haverá um CPF ou CNPJ no Brasil para responder perante a lei”, disse.

Diante da complexidade das stablecoins, Guimarães seguiu o mesmo caminho de Aureo e disse acreditar que a regulação ocorra apenas em 2026. No entanto, Paixão alertou para o risco de que a demora possa fragilizar o Estado diante de crimes financeiros. “Não podemos correr o risco de um apagão do Estado. Se a regulação for lenta demais, stablecoins podem se tornar instrumento de lavagem de dinheiro para o crime organizado, especialmente em áreas onde o poder público já é ausente”, afirmou Paixão.

Guimarães reconheceu a urgência: “A agenda tem evoluído de forma mais lenta do que gostaríamos. Mas o objetivo é avançar com consultas públicas e acelerar o tratamento das stablecoins como prioridade”.

Paixão ainda acrescentou que, embora o país deva seguir princípios globais de transparência e auditoria, a regulação brasileira sempre terá peculiaridades próprias. “O que não podemos permitir é que stablecoins se tornem instrumento de facções criminosas ou de fragilização institucional.”

Perspectivas

Para a indústria, o PL 4308 é bem-vindo por impor robustez de compliance. Isabel Sica Longhi, Head of Payments Regulatory and Policy da Ripple, destacou: “O projeto estabelece regras de lastro, auditoria e cibersegurança. Isso é fundamental para separar iniciativas sérias das arriscadas e dar credibilidade ao setor”.

Mas Longhi também apontou riscos vindos da Consulta Pública do BC, que poderia restringir o uso de stablecoins atreladas a moedas estrangeiras. “Isso poderia expor os consumidores a riscos maiores, empurrando-os para tokens referenciados em ativos mais voláteis, como o ouro”, disse.

Ela trouxe ainda comparativos internacionais. “Na Argentina, o uso de stablecoins é massivo diante da inflação, mas não há regulação específica. No México, a emissão local é proibida, o que leva empresas a operarem a partir de outros países. Já nos EUA, o Genius Act e, na União Europeia, o MiCA, trouxeram clareza regulatória, mas com riscos de limitar a fungibilidade global. O ideal é uma equiparação regulatória e tecnológica que preserve a natureza global das stablecoins”.

Já Guimarães destacou que “o desafio é lidar com um ativo que rompe fronteiras. Os principais emissores estão fora do Brasil, e o lastro não necessariamente está custodiado em instituições financeiras nacionais. É preciso construir uma resposta junto à sociedade para equilibrar inovação, estabilidade e proteção do consumidor”.

Diálogo entre os setores

Todos os participantes reforçaram a importância do diálogo contínuo entre Congresso, Banco Central e indústria. “O setor sério pede regulação porque isso dá credibilidade junto a investidores institucionais. A ideia não é travar a inovação, mas garantir um ambiente seguro”, disse Guimarães.

Na mesma linha, Longhi destacou que a indústria apoia a responsabilização local: “Se uma stablecoin circula no Brasil, deve haver alguém observando as regras brasileiras e prestando contas ao regulador. Esse é um consenso entre Congresso, Banco Central e mercado”.

A interlocução constante entre mercado, regulador e legisladores foi destacada como ponto positivo do processo. Guimarães reforçou que a regulação não deve ser vista como barreira à inovação, mas como forma de atrair investimentos e emprego. “O mercado sério pede regulação, porque ela dá credibilidade diante de investidores institucionais. A ideia é garantir que quem atua de forma correta tenha segurança e que os de má fé sejam expulsos pelo próprio mercado”, explicou.

Apesar dos avanços, há consenso de que o caminho ainda é longo. O PL 4308 representa um passo importante, mas questões como taxonomia das stablecoins, patrimônio de afetação para emissores e até uma eventual revisão do arcabouço cambial do país seguem na pauta. Como sintetizou Isabel Sica Longhi: “Não chegaremos a um consenso imediato, mas é justamente desse debate que nasce a regulação capaz de equilibrar inovação, segurança jurídica e estabilidade econômica.”

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