No dia 27 de dezembro de 2015, a unidade do bitcoin estava cotada a US$ 422, conforme aponta o Coinmarketcap. Foi neste ano que Natasha Alves Ferreira começou a escrever trabalhos acadêmicos sobre a criptomoeda.
Formada em Direito, Natasha era naquele momento mestranda pela IMED (Faculdade Meridional) e bolsista da CAPES. Junto com sua orientadora, a pós-doutora Salete Oro Boff, escreveu o artigo “Análise dos benefícios sociais da Bitcoin como moeda”, que foi publicado na edição de 2016 do “Anuário Mexicano de Direito Internacional”, organizado pela Universidade Nacional Autônoma do México.
As autoras previam que o Bitcoin “poderia” resolver problemas monetários que afetam principalmente a população pobre: criação do dinheiro, inflação, falta de acesso a serviços financeiros em regiões remotas e altos custos para transações.
“A popularização de uma moeda eletrônica, baseada em uma rede descentralizada e sem um controle central, teoricamente, possibilitaria a diminuição desses problemas”, afirmaram.
Passados quase seis anos, com o bitcoin no momento da redação desta reportagem valendo US$ 61 mil, Natasha conversou com o Portal do Bitcoin sobre como a tecnologia se desenvolveu de lá para cá e o que se concretizou e o que não se materializou das análises feitas.
Benefícios sociais não se concretizaram
A pesquisadora afirma que “muitos dos benefícios sociais previstos pelo estudo” não se concretizaram pela falta de adoção do Bitcoin como moeda – a criptomoeda é vastamente utilizada hoje como reserva de valor.
“Em relação à possibilidade de uma maior adoção do Bitcoin trazer benefícios sociais concretos, no meu entendimento, não me parece que esse é um caminho que está se desenvolvendo nesse sentido”, afirma.
Mas o estudo aponta como um dos maiores benefícios sociais do bitcoin a proteção contra a inflação. Com o fantasma da alta de preços e desvalorização da moeda fiduciária presente no Brasil, Natasha afirma que “neste sentido sim”, a moeda cumpriu seu papel “como reserva de valor e proteção contra inflação”.
Política monetária dissociada da política social
O estudo cita o economista austríaco Friedrich Hayek: “De acordo com o autor, é do Estado que a moeda deveria ser protegida, sendo ele apenas responsável pelo controle da autenticidade das moedas”.
Muito dos entusiastas do bitcoin afirmam que o Estado não deve se envolver com criação de moeda. Já outros pensadores veem a política monetária como um meio de aplicação de políticas sociais.
Natasha tende mais ao primeiro grupo. “O que me preocupa é que a tentativa de utilizar políticas monetárias para produzir políticas sociais não tem um histórico positivo. A inflação é um problema que ronda o Brasil e os países sul-americanos há décadas. As políticas sociais não precisam da emissão de nova moeda para serem bem-sucedidas, uma vez que esse é um fator causador da inflação, um problema que atinge principalmente a população mais pobre e vulnerável”, afirma.
Alto custo ambiental (e tecnológico)
Mas apesar de ver e ressaltar pontos positivos do bitcoin, Natasha não esconde um certo desencanto com os rumos que a tecnologia tomou – principalmente no que se refere ao problema ambiental, mas não só.
“Da época do estudo para cá, também ocorreram problemas gerados pelas criptomoedas que não eram previstos na época. Com sua alta valorização, a busca das pessoas pela mineração de criptomoedas levou a um aumento do consumo de energia em todo o mundo. De acordo com algumas reportagens, somente a mineração do Bitcoin já consome mais energia que a Argentina. E isso é um problema, pois impacta o aquecimento global e, de forma geral, pelo aumento da demanda, acaba indiretamente aumentando o custo da energia para todos”, afirma.
Além disso, a pesquisadora afirma que outro problema não previsto e ocasionado também pela mineração é o aumento do custo de hardware.
“Hoje, projetos de inteligência artificial, que utilizam GPUs para processamento de cálculos complexos, acabam custando mais caro por causa da mineração”, lamenta.