Imagem da matéria: O drama dos que perderam uma fortuna em bitcoin por causa de uma senha
Imagem ilustrativa. Foto: Shutterstock

Richard Palmer (nome fictício) tem — tinha? — cerca de 20 bitcoins, que na disparada de preço deste ano o transformariam em um milionário.

“No início de 2010, eu era um daqueles geeks ansiosos para comprar uma fatia de pizza com bitcoin”, disse ele ao Decrypt. “Eu até ganhei meu primeiro bitcoin para esse propósito — exceto que, no momento em que uma pizzaria na minha cidade começou a aceitar BTC, eu já tinha esquecido minha maldita senha.”

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À medida que o preço do bitcoin sobe e desce, seus sentimentos são ambivalentes — principalmente quando a criptomoeda atinge novos recordes históricos. Mas ele não está sozinho nessa situação — há muitos holders de bitcoin que não conseguem entrar em suas carteiras e são incapazes de acessar seus fundos enquanto a criptomoeda valoriza cada vez mais.

Na verdade, toda uma indústria de especialistas em recuperação de carteira surgiu para atender a essa necessidade evidente. Em muitos casos, essas empresas foram fundadas por indivíduos que perderam uma senha e transformaram sua experiência dolorosa em uma profissão.

Como o Decrypt descobriu em conversas com especialistas em wallets e com aqueles que estavam tentando recuperá-las, é um esforço tanto psicológico quanto técnico.

O entregador de comida Danny Thomas, de 37 anos, que mora nos Estados Unidos, foi um dos primeiros investidores do dogecoin. Ele negocioava na r/dogemarket do Reddit em 2013, a a principal exchange de dogecoin na época. No início de 2014, graças ao apoio que deu na campanha de patrocínio da moeda para a Nascar, ele faturou 300 mil doge’s, o equivalente a US$ 16 mil hoje em dia.

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Na mesma época, diversos rumores sobre a existência de malware para roubo de criptomoedas começaram a se espalhar pela Internet; a r/dogemarket emitiu alertas e Thomas tomou as precauções necessárias.

“Eu defini minha senha para algo que eu sabia que nunca esqueceria, e tecnicamente não esqueci”, disse ele ao Decrypt. “Nunca esqueci o contexto da senha, mas nunca consegui obter a formatação exata correta”, completou.

“A maioria das pessoas costuma ter um palpite sobre a senha, mas não conseguem lembrar completamente”, disse Niels Zondervan, fundador da Wallet Recovery NL, ao Decrypt.

Zondervan pede para seus clientes tentarem recriar o ambiente no qual definiram a senha pela primeira vez, para que o leque de possibilidades possa ser reduzido. “Ao criar uma senha, as pessoas quase sempre usam pistas de seu ambiente”, explicou ele. Pode ser um personagem de um programa de TV ou um código postal, por exemplo.

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A recuperação da carteira às vezes pode parecer um encontro rápido entre duas pessoas que querem se conhecer. “Tentamos fazer o máximo de perguntas possível para criar uma imagem mental do mundo dessa pessoa”, explicou Robert Rhodin, CEO da empresa de recuperação de carteiras KeychainX.

Para seu aborrecimento, Palmer não consegue participar desse ‘jogo psicológico’. Ele – ao contrário de Thomas – não tem quadro de referência. “Não, não é algo como pizza”, disse. A senha dele existe em um vazio contextual.

“Era uma sequência de caracteres totalmente aleatória que eu sabia que não poderia ser hackeada, algo como VBhfnyhjfLBw79!”, falou Palmer. Ele anotou a senha em um pedaço de papel perdido.

“Quanto mais meticuloso você for sobre segurança, mais difícil será ajudar”, disse Dave Bitcoin (como é profissionalmente conhecido), fundador dos Serviços de Recuperação de Carteira, ao Decrypt.

“Se um cliente sugerir uma ampla gama de possibilidades aparentemente aleatórias, as chances serão muito menores”, falou ele, apresentando uma estimativa modesta, mas inconfundivelmente honesta, de cerca de 35% da taxa de sucesso.

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“Mas minha taxa de sucesso continua a melhorar à medida que meu sistema evolui para ser mais rápido e mais inteligente sobre as senhas que testa”, disse ele.

É também essa crença compartilhada no progresso técnico que mantém Palmer (não o cliente de David) otimista sobre seu rico futuro.

Lidando com a desconfiança

A narrativa inicial no mercado de criptomoedas de que o ideal seria usar carteiras sem custódia – aquelas em que você não precisa confiar suas senhas a banco ou terceiros — minou a confiança das pessoas em buscar a ajuda de outros.

“O sentimento geral na época era que você nunca deveria dar sua carteira ou chaves privadas a ninguém, pois ninguém era confiável”, explicou David Bitcoin.

Para conquistar um público-alvo quase programado para desconfiar, os especialistas em recuperação de carteiras precisavam primeiro provar seu valor.

Em alguns casos, isso envolveu reuniões presenciais – algo excepcionalmente raro para uma comunidade exclusivamente online.

“Um africano veio nos encontrar pessoalmente”, disse Rhodin. Depois de ter bebido vinho e jantado, ele entregou um bilhete “com dezenas de senhas diferentes contendo uma lista enorme de membros da família”. Ele havia esquecido a vigésima quinta palavra de uma senha longa da carteira Trezor. A senha realmente acabou sendo o nome de um membro da família – mas com letras maiúsculas irregulares.

Porém, não são apenas os clientes que precisam confiar.

“Depois de cada aumento de preço, sepmpre há uma multidão de pessoas perguntando sobre meus serviços”, disse Zondervan ao Decrypt. A maioria dessas consultas — cerca de 60% — vem de “caras suspeitos da dark web” que roubaram uma carteira ou compraram uma wallet roubada e têm esperança de deixar o trabalho sujo para especialistas em recuperação, explicou ele.

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Zondervan, como outros no ramo, desenvolveu um olho para clientes genuínos. “Alguns clientes estão ansiosos e querem resultados imediatos, enquanto outros são mais pacientes, entendendo que não é uma tarefa rápida. A reação psicológica é diferente, mas sempre há algo que parece real sobre eles”, disse.

Em sua experiência, a reação psicológica varia de acordo com a formação educacional e aptidão técnica — não quanto a carteira contém.

Não é o quanto valor uma wallet contém — do qual eles recebem uma comissão, geralmente em torno de 10% – que motiva necessariamente os especialistas em recuperação de carteira. “Há muitas pessoas que investiram suas economias em criptomoedas, e em algumas partes do mundo isso pode custar apenas US$ 500”, disse David Bitcoin.

David Bitcoin uma vez trabalhou com um cliente indiano que não tinha muito na carteira, em comparação com alguns hodlers. “Mas abrir a carteira permitiu que ele visse a filha, porque agora ele podia pagar a pensão alimentícia.”

Adeus, bitcoin

Apesar dos melhores esforços dos especialistas em recuperação — tanto psicológicos quanto técnicos — algumas carteiras permanecerão lacradas.

No mês passado, Rhodin teve que lidar com vários clientes que inseriram o PIN errado três vezes em uma carteira de hardware Ledger autodestrutiva. Os bitcoins deles foram transferidos para o crescente ferro-velho de 3,7 milhões de bitcoins – cerca de 20% do estoque atual – que podem estar perdidos para sempre, de acordo com as estimativas mais recentes.

Mas o maior impacto quando alguém perde o acesso ao seu BTC não é necessariamente a riqueza material; é algo mais intangível. Prudy Gourguechon, uma psicanalista que escreve para a Forbes sobre a psicologia do dinheiro, disse ao Decrypt que embora eles não tenham realmente perdido nada além de seu investimento inicial, “o que eles perderam é uma fantasia – como a vida maravilhosa que teriam se tivessem acesso às criptomoedas”

“Certa vez, tive um cliente que, pela primeira vez na vida, teve a experiência de andar de metrô — em vez de ser levado de carro por um motorista”, disse ela. “Essa pessoa é um exemplo de alguém que perdeu uma grande riqueza, passando de ultra-rico para classe média.”

Para ajudar a colocar o problema em perspectiva, ela propõe um “teste de mudança na classe” de algum tipo: “Existe realmente uma mudança na classe para aqueles que perderam as senhas do bitcoin? Eles simplesmente continuarão vivendo a mesma vida. “

Ela sugere um terapeuta para qualquer pessoa ainda lutando com a perda de sua fantasia por mais de um mês.

Mas Thomas admitiu que tinha um último recurso em mente — isto é, se ele não tivesse recebido a boa notícia de Rhodin há duas semanas.

“Se o serviço de recuperação de carteira não tivesse funcionado e o dogecoin continuasse aumentando, eu teria procurado um hipnotizador para desbloquear minha memória reprimida”, disse ele.

*Traduzido e editado com autorização do Decrypt.co