Nova regulação da CVM de ativos tokenizados: evolução e o caminho para uma “quase” negociação secundária

Nicole Dyskant fala sobre os avanços da CVM na regulação da tokenização e o desafio de equilibrar liquidez com proteção ao investidor

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Sem liquidez não se forma mercado. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é sensível ao tema, mas sempre demonstrou cautela quando o assunto é negociação de ativos tokenizados. 

Não é de hoje que a Autarquia tem se debruçado sobre o tema da tokenização de ativos, sempre com os olhos de xerife do mercado de capitais. 

Inicialmente, o Colegiado e as áreas técnicas apenas interpretaram as normas existentes, com pouca adaptação ao novo mundo de ativos tokenizados. À semelhança de outros reguladores globais, a CVM se posicionou no sentido de que a “tecnologia é neutra” para fins de regulação. 

O primeiro movimento regulatório veio em abril de 2023, com a publicação do Ofício-Circular CVM/SSE 04/23. O documento elevou significativamente a régua de exigências para plataformas que operam sob a Resolução CVM 88, que regula ofertas públicas via investimento participativo, conhecidas como plataformas de “crowdfunding”. 

Dentre as primeiras obrigações estão: (i) apresentação de demonstrações financeiras auditadas; (ii) manutenção de capital mínimo; (iii) identificação formal de sócios e administradores; (iv) transparência reforçada, com relatórios anuais e materiais de risco padronizados; (v) auditorias de TI com certificações como a ISO 27001; e (vi) controles mais rigorosos de titularidade dos ativos. 

A mensagem da Autarquia foi clara: antes de abrir espaço para liquidez, era preciso construir confiança institucional. 

Ao longo dos anos de 2024 e 2025, as áreas técnicas e de supervisão da Autarquia passaram a analisar casos concretos de ofertas tokenizadas, buscando classificá-las como valores mobiliários — e, portanto, sujeitas à regulação — ou não, aplicando inclusive o famoso “Howey Test”.

Neste período, a CVM demonstrou uma postura mais assertiva no “enforcement”, isto é, o cumprimento da sua regulação. Em paralelo às investigações proativas e procedimentos administrativos, a CVM também recebeu diversos pedidos e consultas de associações, tokenizadoras e plataformas de negociação de tokens. 

Finalmente, na última semana, foi publicado o Edital de Audiência Pública SDM nº 5/2025, trazendo uma série de alterações no regime inicial, resultado de aprendizados e pedidos do mercado. Nas palavras do Presidente interino Otto Lobo: “Esse é o primeiro passo para a reestruturação da tokenização de valores mobiliários no Brasil”.

A ampliação dos limites de captação e possibilidade de entrada de securitizadoras e corretoras vinha sendo demandada pelo mercado. Da mesma forma, a definição de regras de escrituração e custódia adaptadas à realidade digital, e não apenas copiadas do modelo analógico, é um aspecto importante que veio na minuta da nova norma. 

Porém, um dos pontos mais esperados pelo mercado é a ampliação dos mecanismos de liquidez no mercado secundário. A minuta inclui expressamente a possibilidade de recompras de valores mobiliários pelos emissores, o que não é propriamente a existência do mercado secundário, como balcão e bolsa, mas pode ser um bom começo.

Além disso, a distribuição de ativos tokenizados por agentes tradicionais regulados, permitindo maior integração com o mercado de capitais também era uma importante demanda percebida como relevante para o desenvolvimento deste mercado. 

Esse movimento responde a dois desafios: de um lado, a pressão de emissores e plataformas que veem na tokenização a promessa de liquidez e redução de custos de intermediação; de outro, a necessidade de proteger investidores de varejo, compatibilizando os avanços com limites de alocação, período de arrependimento e demais salvaguardas já conhecidas. 

O pano de fundo dessa agenda é a oportunidade do Brasil de se consolidar como referência regional. A tokenização não é apenas um modismo tecnológico: faz parte de um esforço global para redesenhar a infraestrutura do mercado de capitais, reduzir fricções e democratizar o acesso a investimentos. 

Se conseguir equilibrar os dois vetores que raramente andam juntos — liquidez e proteção —, a CVM poderá oferecer segurança jurídica a emissores, confiança a investidores e posicionar o país como case de regulação pragmática e funcional.

Sobre a autora

Nicole Dyskant é advogada especializada em regulação de criptoativos e fundadora da RegDoor.