A estudante Julia Silva de Negreiros, 18 anos, saiu da casa dos pais no início do ano para morar de aluguel com seu namorado em Nova Friburgo (RJ). Em abril, eles tiveram o primeiro filho. O casal, no entanto, não estava conseguindo arcar com as contas, pois o salário de R$ 1.100 do pai da criança, que trabalha como auxiliar de pedreiro, não seguravas as pontas.
Ela decidiu procurar emprego, mas não poderia ser fora de casa por causa do recém-nascido. A solução veio por meio do Axie Infinity, um game baseado na tecnologia blockchain que ela conheceu no mês passado através de um primo.
O jogo do modelo play-to-earn — jogue para ganhar — permite que jogadores usem seus personagens chamados “axies” para batalhar no mundo virtual e receber recompensas a cada vitória ou missão concluída. Essa recompensa é dada em forma de Love Small Potion (SLP), uma criptomoeda que na sexta-feira (23) valia cerca de R$ 1,53, segundo o CoinGecko.
No primeiro mês jogando, Julia disse ao Portal do Bitcoin que recebeu R$ 1.400: “Como eu não sabia jogar muito bem no início, eu me surpreendi com a quantidade que eu ganhei”.
O rendimento dela deve aumentar bastante no próximo mês agora que seus personagens estão mais evoluídos — o que lhe permite aumentar seu faturamento no jogo — e graças à recente valorização da SLP, que disparou 173% no mês, indo de R$ 0,60 em junho para o preço atual.
Ela diz que já está conseguindo ganhar, em média, 200 SLP todos os dias (de segunda a segunda). Os tokens, no entanto, não ficam todos com ela, pois Julia “aluga” personagens de terceiros por 475 SLP na semana. No final do mês, mesmo com a mensalidade, ela estima ganhar 3.700 SLP, o que em real representa um salário de cerca de R$ 5.550.
Aluguel de personagens
Para começar a jornada no Axie Infinity, o usuário precisa ter no mínimo três axies, que são uma espécie de token não fungível (NFT) que outros jogadores colocam à venda no marketplace específico do jogo. À medida que milhares de pessoas começaram a jogar ao mesmo tempo, os preços dos personagens dispararam. Em média, o usuário precisa desembolsar entre R$ 6 mil a R$ 8 mil para compor um time razoável para começar a jogar. Julia, por exemplo, não tinha essa grana.
Não demorou muito para surgir uma solução para a falta de dinheiro dela e dos outros. Os jogadores que conseguiram comprar axies quando o custo era baixo começaram a alugar seus personagens para outras pessoas terem uma forma de entrar para o jogo sem custo. No final do mês, as duas partes dividem os ganhos baseado em um acordo informal.
A empresa Yield Guild Games (YGG) foi a precursora desse modelo de negócios, que ficou conhecido como as scholarships, ou escolinhas. A YGG contou à reportagem que atualmente aluga contas para mais de 30 mil pessoas ao redor do mundo, sendo 200 só no Brasil. Até o final do ano, a meta é chegar a 2 mil usuários na região.
Quem está por trás da maioria das escolinhas brasileiras de Axie Infinity, no entanto, não são grandes empresas, e sim players comuns com um pouco mais de experiência, como o capixaba Eduardo Braga, de 38 anos, que joga Axie desde outubro do ano passado.
Em março deste ano, ele fundou a sua própria escolinha, por meio da qual aluga 60 contas. Ele disse para a reportagem que trabalhava em alto mar para uma empresa que transportava petróleo para a Petrobras, mas foi demitido assim que chegou a pandemia. Mesmo sendo graduado na universidade de oficiais da marinha brasileira (EFOMM), ele não conseguiu mais encontrar emprego na área.
Por investir em criptomoedas desde 2018 e já estar inserido no mundo dos games, ele acabou encontrando o Axie Infinity e entrou de cabeça no jogo. “Naquela época, um axie custava R$ 200 e eu já achava muito caro”, falou.
Ao ver que o jogo dava dinheiro, ele começou a comprar mais personagens e quando foi abrir a escolinha em março, já tinha 17 axies, que custaram cerca de R$ 6 mil. Ele disse que chegou a usar todo o dinheiro do seu fundo de aposentadoria de R$ 70 mil para impulsionar o negócio.
“Tem muita demanda, é uma revolução. Não existe nenhum outro jogo que ofereça um rendimento desse para uma pessoa comum, que não precisa ser pró-player. Semana passada, um aluno conseguiu fazer R$ 8 mil jogando bem por um mês, uma quantia maior que meu salário antes da pandemia”, relatou.
Para cada uma das 60 contas que Eduardo aluga, ele cobra um valor fixo de 475 SLP por semana. No final do mês, ele disse que gera uma receita de mais de R$ 170 mil, baseado na atual cotação de R$ 1,50 do SLP.
No entanto, ele falou que só converte em real a quantia necessária para as despesas do dia a dia. O restante é reinvestido na escolinha através da compra de axies para oferecer mais vagas à comunidade. E a demanda é grande. Centenas de brasileiros disputam em diferentes servidores no Discord uma vaga.
Cada uma delas tem o seu modelo de negócios e regras próprias. A Nexusnerso, por exemplo, é uma escolinha criada por Bruno Henrique de Morais no final do ano passado e que foca em manter um time mais reduzido de jogadores bem treinados. A medida que o usuário melhora seu desempenho, ele pode ganhar mais axies, o que lhe ajuda a ter um rendimento melhor dentro do jogo.
“Axie Infinity criou uma forma de as pessoas receberem muito mais que apenas um salário mínimo ficando em casa nessa época de pandemia. Quando você junta todos os fatores você entende por que tudo está dando tão certo no Brasil. Assim como os próprios desenvolvedores falaram: Axie Infinity não é um jogo, é uma plataforma de empregos”, falou Morais.
O boom do Axie Infinity
O Axie Infinity se tornou um fenômeno mundial nos últimos meses e é atualmente o projeto mais lucrativo do setor de finanças descentralizadas (DeFi), gerando uma receita de US$ 102 milhões no mês, segundo o Token Terminal.
O jogo criado pela empresa vietnamita Sky Mavis está em circulação desde 2018, porém só entrou no radar da comunidade em junho do ano passado, quando passou a ser usado como a principal fonte de renda de moradores de um pequeno vilarejo nas Filipinas.
A experiência logo se espalhou pelo resto do mundo, principalmente entre os países em desenvolvimento que compartilham problemas parecidos, como o alto índice de desemprego provocado pela pandemia do coronavírus.
Com mais de 14,8 milhões de pessoas desempregadas no Brasil, o país se tornou um lugar onde o modelo econômico do Axie Infinity teve chance de crescer. Mais do que ser uma fonte alternativa de renda, o jogo permite que muitos ganhem no mês quantias ainda maiores do que um salário mínimo – como é o caso da Julia, que teve a história contada no início da matéria.
Apenas fazendo as missões básicas do Axie Infinity, um jogador pode conseguir diariamente 150 SLP. Neste ritmo, é possível gerar R$ 4.800 no mês, levando em consideração a atual cotação de R$ 1,50 do SLP. Quando mais experientes os axies se tornam, mais rápido será para o gamer concluir as missões – e mais SLP ele ganhará em batalhas.
A maioria dos players conseguem ganhar mais SLP todos os dias batalhando online com outros jogadores. Neste modo PvP, o usuário consegue subir no rank e receber o token de governança Axie Infinity (AXS).
A popularidade que o jogo vem recebendo reflete diretamente no preço do AXS. Em julho, o ativo digital foi o que mais valorizou, registrando um salto de 760% nos primeiros 20 dias do mês. Na sábado (24), a criptomoeda atingiu um novo recorde de preço de US$ 49.