Imagem da matéria: O Bitcoin pode ser usado para lavar dinheiro?
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A Câmara de Deputados iniciou no final de setembro uma comissão com 19 juristas para apresentar um anteprojeto que modifica a atual Lei de Lavagem de Dinheiro. A medida pode indiretamente causar impacto no mercado de criptomoedas, uma vez que que o bitcoin pode estar sendo usado também para este fim.

O doleiro Dario Messer, investigado na operação Lava Jato no Rio de Janeiro, afirmou no mês passado em delação premiada que há esquemas de lavagem de dinheiro envolvendo o uso de criptomoedas. 

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Em seu depoimento, Messer disse que os doleiros agora concorrem com jovens de amplo domínio com computadores e que operam muitas vezes fora do Brasil. 

Em menos de um mês após a esse episódio, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, decidiu instalar uma comissão com juristas, acadêmicos e pesquisadores do Direito a qual será coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca.

Fonseca, em entrevista cedida à rádio Câmara, afirmou que a lavagem de dinheiro era um crime novo e que antes só existia a lei que tratava de crime contra o sistema financeiro.

De acordo com o ministro, o crime de lavagem de dinheiro consiste no “processo de ocultar a origem do dinheiro obtido irregularmente para escondê-lo dentro de atividade econômica legítima”.

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Lavagem de dinheiro com bitcoin

Sobre esse ponto, o advogado criminalista Fernando Henrique Cardoso, sócio do escritório Cardoso, Siqueira e Linhares, explicou que se lava dinheiro não só com criptomoedas, mas com qualquer coisa. As criptomoedas, porém, trazem uma facilidade na hora de se ocultar bens.

“Como não existe agência reguladora sobre ativos digitais, há uma facilidade em deixar irrastreável esses ativos. Diferente da cédula de dinheiro, a criptomoeda possui facilidades como envio para diversas partes do mundo e de forma ágil, o que ajuda a facilitar a ocultação da origem dos bens”.

Segundo o ministro do STJ, que irá coordenar a comissão para o anteprojeto, esse tipo de delito “envolve tráfico de drogas, extorsão e crime de corrupção e abarca R$ 6 bilhões no Brasil e R$ 1 trilhão no mundo”.

Fonseca mencionou que, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), os crimes cibernéticos do mundo envolvem US$ 720 bilhões, o que já mostra os efeitos da tecnologia em favor do crime. 

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Solução da Receita Federal

Marcio Ávila, professor de Direito Tributário Internacional da Universidade Federal Fluminense (Uff) explicou que “o combate a esse crime, especialmente quando praticado com o uso de criptomoedas, depende do amplo acesso à informação”, uma vez que a Lei 9.613/98 (Lei da lavagem de dinheiro em vigor) traz que esse crime ocorre com a ocultação da origem ou localização do bem. 

Ávila mencionou que a Receita Federal no Brasil (RFB) deu um passo a frente quando instituiu a IN 1.888/19, pela qual disciplinou “a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil”.

Ele explicou que com essas informações, a Receita face a suspeita de crime de lavagem de dinheiro pode comunicar o fato ao Ministério Público Federal.

“O art. 11 da IN é claro ao determinar que poderá ser formalizada comunicação ao Ministério Público Federal, quando houver indícios da ocorrência de crime de lavagem de dinheiro”.

O ministro do STJ havia dito que a Comissão deverá analisar tecnicamente se a atual lei em vigor que trata de Lavagem de dinheiro precisa ser revista sem pretensão de haver mudança. 

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Cardoso acredita que a Comissão deve analisar se a lei tem cumprido seu papel no campo da prevenção. O risco para o mercado de criptomoedas sob seu ponto de vista será apenas de maior regulação.

“O que pode ter é uma série de regulações sobre locais que comercializam criptomoedas para adotar políticas mais fortes de prevenção à Lavagem de dinheiro. Isso será atestar ao Coaf por exemplo que o mercado segue  os cuidados para evitar esse tipo de risco”. 

Já Ávila afirmou que a Receita Federal com a Instrução Normativa adotada “está em consonância com os padrões internacionais de tributação da OCDE” ao cobrar mais transparência nas operações com criptomoedas. Ele disse que esse é “um dos pilares do Base Erosion and Profit Shifting (BEPS) da OCDE — que, inclusive, conta com o Action Plan nº 1 sobre a economia digital e cujo item 3.2.2 trata das moedas virtuais”. 

Analisando a regulação do bitcoin

Dentre os 19 juristas escolhidos para tratar do anteprojeto, está a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Heloisa Estellita, que recentemente coordenou uma obra coletiva com seus alunos tratando sobre criptomoedas e regulação.

Na obra, que foi lançada antes da ideia do anteprojeto, já havia menção sobre mudança na lei que trata de lavagem de dinheiro. O texto, porém, fazia uma análise sobre os projetos de regulação de criptomoedas que estão tramitando nas duas casas legislativas. Dois deles apontavam a inclusão das criptomoedas na Lei de lavagem de dinheiro.

Procurada pelo Portal do Bitcoin, a professora afirmou que ainda é cedo para mencionar qualquer coisa sobre a comissão.

A tendência é de se olhar para o bitcoin e outros ativos criptografados como possíveis objetos para a lavagem de dinheiro. Isso não significa que as criptomoedas devem ser demonizadas.

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A ministra da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi, quando julgou o caso que envolvia o Mercado Bitcoin e o Itaú, afirmou em seu voto de forma clara que qualquer coisa pode servir para a lavagem de dinheiro e mencionou o uso de dinheiro vivo para ocultar a origem de bens.

Teoria do “bitcoin-cabo”

O Procurador da República Leandro Nunes sustentou em seu artigo “O bitcoin na condição de meio para o crime de evasão de divisas” que a criptomoeda apesar de todo seu nível de segurança, “por intermédio de uma série de códigos dotados de “chaves de difícil decodificação”,  não está livre de ser um objeto para a lavagem de dinheiro.

Ele mencionou que o bitcoin apesar de não ser uma moeda fiduciária “pode ser utilizada para aquisição de bens e serviços”, mas também servir como meio de evasão de divisas, quando for utilizado “como forma de negociação de moeda estrangeira (câmbio ilegal) em desconformidade com as normas do Bacen (Banco Central), especificamente quando for transferido a um doleiro situado no Brasil”.

Caso após esse acontecimento, o valor correspondente for recebido no exterior em moeda estrangeira, em conta a ser indicada pelo doleiro, com os valores de compensação ajustados de forma paralela no câmbio irregular, se estará diante do chamado bitcoin-cabo.

A ideia de Nunes veio de uma comparação sobre o que sucede com o dólar:

“Passamos a denominar “bitcoin-cabo”, uma vez que a criptomoeda estará sendo utilizada como meio para perfectibilização de operação de câmbio irregular, resultando na efetivação da saída de divisas do país em situação semelhante às denominadas operações com o dólar-cabo”.