A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) multou em R$ 1,25 milhão três traders acusados de manipular o mercado por meio de falsas ofertas na bolsa. A atuação rendeu a um só trader mais de R$ 1,5 milhão de lucro. Apesar de terem atuado de forma similar, os casos não eram os mesmos e por isso foram julgados pela autarquia em três processos diferentes.
Luis Eduardo Martins, Rafael Nassutti Papazian e Rodrigo Almeida Parreira, entre os anos de 2013 e 2017, lucraram respectivamente R$ 617.916,00; R$ 748.525,94 e R$1.550.000,00, com o total de 37.574 ofertas falsas de negociação no mercado. A CVM, então, decidiu multar cada um deles em R$ 450 mil.
Consta nos três processos administrativos sancionadores que os casos tiveram origem em processos administrativos disciplinares conduzidos pela BM&FBovespa Supervisão de Mercados (“BSM”), atual B3.
A Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (“SMI”) ao analisá-los concluiu que os atos praticados pelos traders se amoldam aqueles conhecidos internacionalmente como “layering”.
Esse fato ocorre quando um determinado investidor insere “sucessivas ofertas de um lado do livro a preços melhores que a última oferta registrada, que formam camadas de ofertas sem o propósito de fechar negócio”.
A intenção das propostas falsas é de apenas “atrair outros clientes para a negociação e executar negócios do lado oposto do livro”.
Não tem como precisar o número de prejudicados no mercado por essas atuações, conforme mencionou a Procuradoria Federal Especial (PFE). O que se sabe, contudo, é que se contabilizar os lucros dos três traders juntos, se terá o montante de R$ 2.916.441,94.
A CVM e os três casos de Layering
Os atos não foram cometidos na mesma data. Luiz Martins é acusado de ter inflado o mercado com 7.618 ofertas falsas no livro de negociações da bolsa entre 04 de março de 2013 e 22 de agosto de 2017.
Rafael Papazian, por sua vez, teria sido mais audaz. Papazian é acusado de ter inflado o mercado com 7.960 falsas propostas de negociação entre 04 de abril de 2013 e 31 de julho de 2017.
Os dois, assim como Rodrigo Parreira, teriam manipulado preços de diversos ativos desta maneira. Parreira, porém, foi quem mais inflou o mercado de ofertas fictícias. Entre 01 de agosto de 2013 e 14 de junho 2017, ele emitiu 21.934 ofertas falsas no total. Isso é mais do que o dobro que as atuações de Martins e Papazian juntos.
“A inserção das ofertas artificiais tinha por finalidade causar pressão compradora ou vendedora que restavam por levar à consecução de negócio previamente pretendido na outra ponta do livro a preço distinto do que o mercado estava efetivamente praticando, provocando cotações enganosas”, explicou a CVM.
A culpa é dos robôs
Em defesa, os acusados argumentaram a mesma coisa: as ofertas em massa foram efetuadas por um robô. Martins, que se autodenominou investidor-especulador afirmou:
“A estratégia de ‘colocar várias ordens ao invés de simplesmente alterá-las’ é uma questão de competitividade com tais robôs, uma ‘equiparação de armas’ e que, em verdade, a verdadeira manipulação de preços é dirigida pelas grandes instituições por meio desses robôs”.
Papazian, nessa mesma linha de defesa, disse que hoje usa robôs por que antes “operava de forma manual, ficando em enorme desvantagem e delay (atraso) em relação aos grandes traders”.
Já Parreira em sua defesa mencionou “que esses algoritmos não foram proibidos de atuar desta forma e, por tal razão, não tinha conhecimento que atuar dessa forma era proibido”.
Apesar dos argumentos dos três traders, a autarquia mencionou que teriam sido notificados por “diferentes intermediários da ilicitude da prática, o que, no entanto, não os levou a interromper as suas condutas”.
Lucros questionados
Os três traders afirmaram que os valores lucrados não chegam a compor grande parte do que eles operam no mercado. Tanto Martins quanto Papazian afirmaram que os respectivos valores de R$ 617.916,00 e R$ 748.525,94 mencionados pela CVM, são abaixo de 0,05%. Eles declararam que movimentam R$ 150 milhões por mês.
Parreira apenas falou que “o histórico de operações apontadas pela Acusação não abrange os prejuízos, mas somente o suposto lucro (R$ 1.550.000,00)” .
A CVM, porém, apontou que tanto Parreira quanto Martins teriam agido com dolo em “alterar as cotações e induzir terceiros a negociar com base nessas cotações falsas”.
“As características das ofertas artificiais inseridas deixam clara a intenção do investidor de causar pressão compradora ou vendedora no ativo para viabilizar negócio pretendido em preço distinto do qual o mercado estava negociando o ativo”.
Tipo de manipulação da Bovespa
Segundo a CVM, o “Layering” passa por quatro etapas. As duas primeiras são a criação da falsa liquidez e o posicionamento. Via de regra, o investidor fraudador começa criando uma falsa liquidez no mercado o que vai atrair outras pessoas “para incluir ou melhorar suas ofertas, alterando o spread do livro de ofertas”.
Daí, em seguida vem o posicionamento, pelo qual o investidor emite as “ofertas alvo de compra ou venda que desejava executar do lado oposto ao das ofertas artificiais”. Segundo a autarquia essa etapa pode ocorrer antes da criação da falsa liquidez.
Após esses dois passos, o fraudador executa o negócio sobre as ofertas-alvo de compra ou venda dos ativos, os quais terão os valores influenciados pela falsa liquidez criada de outras ofertas falsas e em seguida se cancela todas as ofertas artificiais, criadas apenas para inflar o valor ou reduzir o valor do ativo a depender do interesse do fraudador.
A prática de Layering, no entanto, não deve se confundir com a de spoofing que também é bastante comum no mercado.
O trader senior Raj Malhotra, que atua na Institute of Trading and Portfolio Management (ITPM), explicou, num artigo produzido para a CNCB, que o spoofing ocorre “quando um trader faz uma oferta ou coloca uma ação no mercado com a intenção de cancelar antes da execução”, sem haver a necessidade de se criar várias ordens de oferta como ocorre com o “Layering”.
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