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As lições da regulação das stablecoins nos EUA

Nicole Dyskant analisa a nova lei sobre stablecoins nos EUA e compara a regulação proposta pelo Banco Central do Brasil

números e moeda de stablecoins
Shutterstock

A recente aprovação do Genius Act pelo Senado dos EUA marca um divisor de águas para o mercado global de criptoativos — em especial, as stablecoins, ativos digitais atrelados a moedas fiduciárias. Esse movimento é uma resposta à rápida evolução das finanças descentralizadas, mas também representa um avanço relevante nos níveis de segurança jurídica e institucionalização do setor.

Ao estabelecer padrões federais para a emissão de stablecoins, o Genius Act cria um ambiente mais previsível para emissores, investidores e instituições financeiras.

Entre as exigências estão a manutenção de reservas 1:1 com a moeda-lastro, auditorias periódicas, regras de transparência e conformidade com normas de prevenção à lavagem de dinheiro. Emissores com mais de US$ 10 bilhões em circulação passam a ser supervisionados federalmente, enquanto os de menor porte podem seguir regimes estaduais equivalentes.

O impacto desse movimento vai além das fronteiras americanas. A criação de um arcabouço regulatório robusto dá segurança para que bancos, fintechs, operadoras de cartão, arranjos de pagamento, fundos de investimentos e demais players tradicionais passem a integrar stablecoins às suas operações.

Um exemplo dessa institucionalização crescente é a entrada da Circle, emissora da USDC, no mercado de capitais americano, através de um recente processo de IPO histórico na NASDAQ.

Mas talvez o impacto mais significativo esteja no chamado “efeito dominó regulatório”. A postura dos EUA tende a influenciar o posicionamento de outros países, seja por inspiração, seja por pressão. União Europeia (MiCA), Reino Unido, Japão e Hong Kong já deram sinais claros de que estão atentos. E o Brasil, felizmente, não etá parado.

Brasil: caminho próprio, mas com desafios importantes

O Banco Central brasileiro prepara para os próximos meses a publicação do conjunto final de regras para Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais (VASPs), para o uso das stablecoins para pagamentos internacionais, além da implementação da chamada Travel Rule, alinhada aos padrões do GAFI, no bojo das regras de VASPs.

Há também, em paralelo, um debate em curso no Congresso por meio do PL 4308/2024, que visa estabelecer diretrizes legais específicas para stablecoins.

Mas o ponto mais interessante é a diferença de abordagem proposta pelo Banco Central. Enquanto EUA (via Genius Act) e UE (via MiCA) regulam principalmente os emissores de stablecoins, o Banco Central brasileiro adota um modelo em duas fases.

A primeira, já em desenvolvimento com consulta pública, foca exclusivamente no uso de stablecoins em operações de câmbio — ou seja, regula as condições obrigatórias do intermediário e não do emissor.

A segunda fase, ainda pendente de consulta pública futura, deverá abranger emissão, tokenização em geral e papéis de demais participantes dentro deste ecossistema.

Esse approach mais gradual busca responder aos desafios práticos e urgentes do crescente uso internacional das stablecoins, sem, de imediato, travar a inovação doméstica.

Ao mesmo tempo, traz riscos de assimetria regulatória caso o país demore a avançar para a segunda fase, ou imponha requisitos muito duros aos intermediários. A exemplo disso, já foi notado e criticado pelo mercado a proposta do BCB quanto a restrições mais duras no uso de auto-custódia em comparação com regras internacionais. 

Um mercado promissor que exige regulação eficiente

De acordo com pesquisa da Datafolha do começo de 2025, o Brasil conta com mais de 25 milhões de usuários de criptoativos — cerca de 16% da população maior de 16 anos de idade —, com isso ocupa a sexta posição global em adoção.

Esse enorme mercado de varejo começa agora a atrair o interesse institucional, à medida que o cenário regulatório se torna mais claro. Mas para que esse interesse se converta em investimentos concretos, será necessário garantir uma infraestrutura segura, escalável e compatível com padrões internacionais.

O desafio passa também pela definição dos requisitos de capital mínimo para VASPs (entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões, dependendo do serviço), bem como pela capacidade técnica de novos entrantes de se adaptarem à regulação. O prazo estimado de 360 dias para autorização de novos players torna ainda mais evidente a vantagem competitiva de quem já está estruturado no mercado.

Por fim, a regulamentação dos corredores de pagamento internacionais com stablecoins — especialmente em função do limite de US$ 100 mil por transação — também será determinante para que o país avance na digitalização dos fluxos financeiros internacionais.

A hora de regular é agora

Enquanto os EUA discutem novas reformas com o projeto CLARITY e países da Ásia e Europa consolidam suas diretrizes, o Brasil precisa agir com agilidade e clareza. Não se trata de copiar modelos estrangeiros, mas de entender como posicionar o país de forma estratégica em um sistema financeiro global cada vez mais descentralizado, tokenizado e digital.

A era da regulação dos ativos digitais não é mais uma tendência futura. É o presente — e o Brasil precisa estar pronto para liderar, não apenas acompanhar.

Sobre a autora

Nicole Dyskanté advogada especializada em regulação de criptoativos e fundadora da RegDoor.