Imagem da matéria: Órgãos de controle falharam com os investidores de criptomoedas do Brasil, diz relator da CPI das Pirâmides
Dep. Ricardo Silva (PSD-SP) (Foto: Gilmar Félix / Câmara dos Deputados)

Com 500 páginas, dezenas de pedidos detalhados de indiciamento de pessoas, recomendações para órgãos de controle e quatro projetos de lei, o relatório final da CPI das Pirâmides Financeiras impressionou pelo ambição, fôlego e atenção aos detalhes. O documento é assinado pelo deputado Ricardo Silva (PSD-SP), relator da comissão. Porém, o parlamentar é enfático em ressaltar que se trata de um esforço coletivo. 

“Tivemos uma delegada da Polícia Federal destacada no setor de crimes financeiros para nos auxiliar e tivemos o apoio de agentes da Polícia Federal que fizeram relatórios de inteligência com base nas quebras de sigilo”, conta Silva em entrevista ao Portal do Bitcoin

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A conversa com Ricardo Silva faz parte de uma série de entrevistas feita pelo Portal do Bitcoin com os deputados que foram protagonistas da CPI das Pirâmides Financeiras. Clique aqui para ler a entrevista com Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), aqui para conferir o papo com Caio Vianna (PSD-RJ) e aqui para acompanhar a conversa com Alfredo Gaspar (União/AL).

O relator ressalta com grande ênfase que foi um trabalho técnico, bastante centrado em métodos clássicos de investigação, como análise de transações bancárias. Há uma clara preocupação em demonstrar que a CPI teria ficado afastada de discussões ideológicas entre esquerda e direita. 

Agora, o trabalho será junto aos mais de 500 colegas no Plenário para tentar aprovar os projetos de lei propostos no relatório. Silva lembra que a tarefa é dura, mas que existem alguns trunfos: ele e Aureo Ribeiro, presidente da CPI, são, respectivamente, vice-líder e líder das bancadas do PSD e Solidariedade. 

“Nós temos a voz de liderança na Casa para defender esses projetos que foram gerados com a CPI”, aponta.

Na entrevista, Ricardo Silva é bastante duro com a Binance, que o relatório afirma ter cometido crimes financeiros e sonegado R$ 400 milhões em impostos. “Foi usada para o crime. Todas as pirâmides usaram, não faltou uma”, afirma o relator.

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Ele ainda revela uma bastidor de pressão política: “A Binance pressionou até o último dia pela não votação do relatório. Eles ficaram procurando deputado para pedir vista para bloquear o relatório. Tentaram, mas não conseguiram”.

Confira abaixo a entrevista completa: 

Portal do Bitcoin: Como foi o processo de fazer o relatório final, que é extremamente minucioso e extenso? 

Ricardo Silva: Esse relatório nós conseguimos realizar de forma contundente, ampla, porque foi feito dia após dia. Foi feito com o trabalho de servidores concursados da Câmara dos Deputados e da Polícia Federal. Tivemos uma delegada da Polícia Federal destacada no setor de crimes financeiros para nos auxiliar, tivemos agentes da Polícia Federal que fizeram relatórios de inteligência com base nas quebras de sigilo. Então foi uma soma de fatores em que se privilegiou a técnica, por isso que a gente conseguiu chegar nesse resultado. 

Como será o trabalho de levar os projetos de lei para o Plenário da Câmara dos Deputados?
Eu sou vice-líder do PSD, que é um bloco importante. O deputado Aureo Ribeiro é líder do Solidariedade. Então nós temos a voz de liderança na Casa para defender esses projetos também que foram gerados com a CPI.

O relatório é bastante contundente em cobrar os órgãos de controle.  
Os órgãos de controle no Brasil também tiveram responsabilidade [na proliferação de pirâmides e crimes financeiros]. A Receita Federal do Brasil nunca abriu um procedimento fiscalizatório para saber quanto de imposto que a Binance não pagou. Só agora, após CPI, me parece que eles estão abrindo. Então, os órgãos de controle também falharam, a CPI mostra isso.

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Falando da Binance, como você vê o papel da empresa após tudo que a CPI revelou?
A Binance foi usada pelo crime. A CPI mostrou: todas as pirâmides, incrivelmente todas, tinham operações com a Binance. Todas elas. Não tinha uma que não. 

A Binance é a empresa que mais movimenta dinheiro no setor cripto no Brasil e no mundo. Foi difícil investigar uma instituição tão poderosa? 
A Binance pressionou até o último dia pela não votação do relatório. Eles ficaram procurando deputado para pedir vista para bloquear o relatório. Tentaram, ligaram para gabinete, pressionaram deputados a não votar. Tiveram deputados que vieram falar com a gente sobre a possibilidade de pedir vista porque a Binance pressionou. Houve pressão da Binance. Mas não conseguiram. 

Você vê um futuro no qual a Binance esteja operando no Brasil de forma regular?
A Binance precisa fazer uma releitura da atuação global dela. Vem sofrendo processos e acusações no mundo, e a cada dia um fato novo é revelado. É só abrir aí o site de notícias que vai encontrar a Binance acusada por manter contas do Hamas, ou na Rússia. É um negócio maluco. A Binance tem que fazer uma releitura daquilo que ela pretende com o mundo, com o planeta. Acho que essa é a primeira releitura necessária. 

A empresa tem uma importância para o mercado muito grande. Ela tem a maior fatia desse mercado mundial. Mas o mundo não vai tolerar que se torne meio para lavar dinheiro de terrorismo. E se eles insistirem em manter essa atuação, eles vão acabar chegando a um freio geral e global do mundo contra eles. Eles têm que se adequar a regras, mas têm uma dificuldade muito grande com isso, nós sentimos. Eles não gostam muito, né? É uma liberdade exacerbada que é utilizada para crimes. 

Qual foi o caso mais emblemático da CPI?
O da 123 Milhas. Esse caso não estava previsto no início, aconteceu no meio da CPI. Nós, rapidamente, com o apoio da Polícia Federal, fizemos um levantamento de informações e constatamos que ali se tratava de uma possível pirâmide, o que foi depois afirmado no relatório. 

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Foi o caso que mais deu a noção de como uma fraude pode estar próxima de nós: todo mundo conhece alguém que caiu na fraude das 123 Milhas. 

Caso Ronaldinho Gaúcho também chamou muita atenção, obviamente. 
Outro caso emblemático também. Nós quebramos o sigilo e os dados mostram que no período em que essa empresa 18K Ronaldinho funcionou, foi o período em que mais teve uma operação financeira suspeita envolvendo o ex-jogador, com muitos depósitos em dinheiro.