Imagem da matéria: Goblins, niilismo e cocô: Por que a nojeira está tomando conta dos NFTs no Ethereum?
(Foto: Reprodução/Twitter)

O mercado de tokens não fungíveis (NFT) passou de “todos nós vamos conseguir” para “todos nós vamos morrer”.

Desde que colecionadores de NFT ficaram malucos com Goblintown — avatares de fotos de perfil (ou PFP) de criaturas grotescas e obcecadas por urina —, o sentimento do mercado mudou.

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Nas últimas semanas, o setor NFT ficou distópico e depressivo e criadores estão exagerando com os memes obscuros e o humor escatológico em uma aparente tentativa de lidar com o mercado de baixa.

Um bombardeio de coleções que focam em goblins, fezes, morte e solidão invadiu as principais coleções no OpenSea, compondo 45% das 20 coleções mais negociadas na última semana.

Alguns traders estão ouvindo repetidamente o álbum “Pablo” do rapper Kanye West na plataforma Twitter Spaces para lidar com a queda do mercado. E sim, agora existem NFTs — tokens únicos desenvolvidos em blockchain que representam propriedade — cujos holders estão dedicados a isso.

“Neste momento, acho que o mercado de baixa está deixando todo mundo um pouco maluco e se você fizer algo diferente, você pode chamar a atenção do mercado”, tuitou a Professor M, holder de Bored Ape Yacht Club, que diz ser professora de marketing e estudar a cultura de consumo.

A ascensão de Goblintown 

Mas o mercado NFT nem sempre foi assim.

Em 2021, quando a negociação de NFTs no Ethereum disparou para mais de US$ 20 milhões em vendas, projetos como CryptoPunks e Bored Apes — e, na sequência, Doodles, Cool Cats e Azuki — dominavam tanto o topo das paradas como as manchetes.

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Agora que a lua de mel do “todos nós vamos conseguir” (“we’re all gonna make it”, WAGMI) chegou ao fim, parece que traders perceberam que não, nem todo mundo “vai conseguir”. E agora sobrou Goblintown.

A coleção de NFTs Goblintown, desenvolvida no Ethereum, foi uma das mais vendidas no OpenSea, com mais de 32 mil ETH (US$ 57,6 milhões) em volume negociado em apenas duas semanas e meia após ter sido lançada de forma gratuita, ou seja, não custou nada (além das taxas de transação da rede) para adquirir esses NFTs no lançamento.

Goblin Town” é um termo usado para descrever um mercado de baixa e se tornou um meme cada vez mais popular entre traders de criptomoedas no último ano, fazendo referência à música “Down, down to Goblin Town” — algo como “descendo para a cidade dos goblins” — do filme animado “O Hobbit” (1977).

Em entrevista ao Decrypt, o trader de NFT ConciergePhysician contou que trabalha como médico durante o dia e possui um portfólio de mais de mil NFTs equivalentes a milhões de dólares, incluindo itens das coleções Bored Apes, Mutant Apes e CloneX. Ele afirmou que, na sua opinião, Goblintown atingiu seu auge por conta de seus NFTs intencionalmente feios.

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“A arte é terrível”, afirmou. “Pessoas estão tentando ser ‘degens’ para que realmente possam fazer o valor subir e ganhar muito dinheiro.”

A palavra “degen” — abreviatura para “degenerate” — tornou-se um apelido (autointitulado) de um trader cripto que está sempre on-line e passa horas rastreando e negociando esses ativos diariamente, em vez de fazer outras coisas em sua vida.

goblintown.wtf (Imagem: OpenSea)

ConciergePhysician afirma que gasta entre três e cinco horas por dia pesquisando o mercado NFT, seja no início da manhã ou tarde da noite.

Ele acredita que, quando os famosos NFTs, como Bored Apes, passaram por uma queda recente no preço por conta do amplo mercado cripto de baixa, traders ficaram chateados, mas ainda estavam determinados em encontrar uma forma de ganhar dinheiro.

“Sempre existe dinheiro a se ganhar, mesmo em um mercado de baixa”, disse, mas acrescentou que, para ele, arte feia não vale o risco.

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Para outros “degens”, Goblintown é um grito de guerra para traders famintos que buscam memes e querem ganhar dinheiro enquanto isso.

“Goblintown gerou dezenas de derivativos, mas o estilo artístico e as cores são novos — um pouco de ‘feiura’ dentre a maioria dos principais [tokens] estéticos… Acho que gerou interesse, como um grande token alternativo”, disse dgen.eth, holder de Goblintown, ao Decrypt no Twitter.

Atualmente, dgen.eth possui 12 NFTs Goblintown, incluindo o único “wizard” (mago).

“O fato da galera do projeto usar sintetizadores de voz para soar como goblins em seus Twitter Spaces apenas aumenta o mistério. Tudo é tão bem-executado […] o imaginário, o som, a interface e o contrato — tudo grita riqueza e grandes apoiadores Web 3”, especulou.

Cocô e morte viraram tendência

Após Goblintown, NFTs do We Are All Going to Die (WAGDIE) — “Todos Nós Vamos Morrer” — chegaram à segunda posição do ranking semanal do OpenSea.

Por ser outra coleção gratuita, a descrição do WAGDIE no OpenSea afirma: “Não existe um mapa, apenas a morte” — uma referência à falta de um tipo de “roadmap” (ou roteiro de desenvolvimento) futuro que coleções NFT ou outros projetos geralmente fornecem a seus investidores.

WAGDIE gerou mais de 9 mil ETH (US$ 16,2 milhões) em volume de vendas em uma só semana.

A coleção WAGDIE causou uma agitação no Twitter na terça-feira passada (7) quando compartilhou que havia adquirido um NFT da coleção Mutant Ape Yacht Club por 21 ETH (US$ 37,8 mil) com planos de queimar o ativo — um processo que remove completamente o NFT de circulação.

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O MAYC queimado agora se tornou parte da mitologia do WAGDIE.

“A criatura gritava em agonia enquanto 1,5 mil devotos assistiam com prazer enquanto clamavam um para o outro: ‘Queimem o Primata’”, afirma a página da coleção na plataforma Fandom.

Aparentemente, queimar NFTs como um espetáculo público é algo atrativo para muitos degens. Em um Twitter Spaces na mesma terça-feira para holders de NFTs Goblintown e Cereal Club, um holder de Goblin expressou sua opinião sobre a queima de NFTs: “Queime todos até virarem cinzas!”.

Mas Goblintown e WAGDIE não são as únicas coleções NFT niilistas que estão gerando volume. Outras grandes coleções com emissões gratuitas negociadas na última semana incluem ShitBeast, ill poop it nft, mcgoblin.wtf, Goblin Grlz, Leave Me Alone NFT, troll-town.wtf, Begin as Nothing e ShitPlunger.

Muitas dessas coleções também alegam não terem servidor no Discord ou site, elementos geralmente comuns no lançamento de uma coleção NFT.

Captura de tela de NFTs We Are All Going to Die (à esquerda) e Shitbeast (à direita) (Imagem: OpenSea)

“Eu não me surpreenderia se muitos — quatro ou cinco […] — fossem operados pelas mesmas pessoas”, disse ConciergePhysician sobre a invasão dos projetos NFT com temática fecal e de goblins.

Quando o assunto são temas e o sentimento nessas comunidades, seu nome já diz tudo: o niilismo e as excreções corporais são tendência.

“Seu NFT é apenas uma merda em uma pilha de dez mil merdas em seu NFT ‘famoso’ ou qualquer que seja o jpg que você está armazenando, você ‘ngmi’ [nunca vai conseguir]”, diz a descrição da coleção “ill poop it nft”, cujos ativos têm um preço mínimo de mais de 1,1 ETH (US$ 1.980) por um único JPEG de “cocô”.

Esses NFTs illpoopitnft tiram sarro do preço decrescente das coleções Cool Cats e Azuki (Imagem: OpenSea)

“Existem muitos projetos copiados e colados”, afirmou ConciergePhysician sobre as tendências de NFTs com temática fecal e de goblins. “90% ou 95% vão fracassar. […] Vamos esperar dois, três ou cinco anos para ver onde vão estar.”

A luz no fim do túnel

Embora alguns fãs de NFTs podem estar buscando lidar com o mercado de baixa por meio de NFTs com temática fecal, o panorama não está tão ruim.

Um relatório publicado na última semana pelo site de análise cripto DappRadar sugere que o mercado NFT está mais resiliente do que o amplo mercado cripto e pode se dissociar dele à medida que amadurece.

E embora o volume mensal do OpenSea tenha caído de quase US$ 3,5 bilhões em abril para US$ 2,6 bilhões em maio, de acordo com dados da Dune Analytics, esses números ainda são comparáveis com o volume gerado pelo OpenSea em novembro de 2021, quando o sentimento de alta dominava o setor.

A última barra à direita mostra os 10 primeiros dias de junho de 2022 (Imagem: Dune Analytics)

Kmoney, entusiasta NFT e comediante, ganhou mais de 100 mil seguidores no Twitter no último mês por conta de seus vídeos que fazem piadas com NFTs, geralmente incluindo mantras do setor, como “estamos desenvolvendo” e “WAGMI”, que são repetidos ironicamente para dar o efeito cômico.

“Acho que o espaço ficou obsoleto quando o mercado caiu, então só estão tornando-o divertido de novo”, contou ele ao Decrypt.

De início, Kmoney não era muito fã da nova onda de NFTs intencionalmente feios, repugnantes e deprimentes. “[Mas] depois eu aceitei e nunca senti tanta diversão e alegria.”

Por enquanto, os NFTs são dos goblins.

*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.