Trust Investing: caçado pela Polícia Federal, líder de pirâmide recebeu dinheiro do Faraó do Bitcoin

Investigação mostra que Glaidson Acácio dos Santos tinha relação com rival antes de encomendar a morte de um dos chefes do esquema concorrente
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Cláudio Barbosa, da Trust Investing (esquerda) e Glaidson Acácio dos Santos da GAS Consultoria (direita) (Fotos: Reprodução/Redes sociais)

Os líderes de duas das maiores pirâmides financeiras com criptomoedas do Brasil, a GAS Consultoria e a Trust Investing, transacionaram cerca de R$ 233 mil entre si em 2020. O motivo dessa movimentação, no entanto, segue um mistério para as autoridades.

A informação obtida com exclusividade pelo Portal do Bitcoin consta na investigação da Polícia Federal que levou à prisão dos diretores da Trust Investing em outubro do ano passado, durante a operação La Casa de Papel.

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O único alvo da operação cuja ordem de prisão não foi cumprida é Cláudio Barbosa, diretor de tecnologia da Trust Investing e um de seus fundadores, que segue foragido. Foi justamente Cláudio quem recebeu dinheiro de Glaidson Acácio dos Santos, o criador da GAS Consultoria apelidado de “Faraó do Bitcoin”, preso pela PF em agosto de 2021 na operação Kryptos.

Um trecho da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal confirma a relação entre os dois piramideiros:

“Cláudio Barbosa teve relacionamentos financeiros com diversas pessoas jurídicas, bem como com a pessoa física Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como o “FARAÓ DOS BITCOINS”, preso pela Polícia Federal em agosto de 2021 e acusado de crime contra o sistema financeiro e organização criminosa.”

Essa não é a primeira vez que as histórias da Trust Investing e da GAS Consultoria se cruzam. Durante a investigação sobre os crimes cometidos por Glaidson, a Polícia Federal descobriu que ele teria encomendado a morte de Patrick Abrahão, um dos principais líderes da Trust Investing que acabou preso, junto com seu pai, o pastor Ivonélio Abrahão, na operação La Casa de Papel.

Glaidson via Patrick Abrahão como um “concorrente”, uma vez que ambos captavam investidores para seus esquemas de pirâmides no Rio de Janeiro. Para se proteger, Patrick chegou a deixar temporariamente o Brasil junto com a sua esposa, a cantora Perlla, em dezembro de 2021.

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Patrick não foi o único alvo de Glaidson, que irá a júri popular por supostamente mandar matar outras duas pessoas: Wesley Pessano Santarem e Adeilson José da Costa, sendo que apenas o último sobreviveu à tentativa de homicídio.

Como sugerem as informações que agora vêm à tona, o “Faraó do Bitcoin” mantinha negócios com a Trust Investing antes de começar a ver a pirâmide financeira como uma concorrente de negócios.

“Ponte” conhecida no mercado

Documentos obtidos pela reportagem oferecem novos detalhes sobre a relação entre os piramideiros. De acordo com a investigação da PF, a movimentação entre Glaidson e Cláudio pode ter acontecido por intermediação da empresa Blockskip, criada por André Horta, o mesmo fundador da exchange brasileira de criptomoedas BitcoinToYou.

Essa empresa foi uma das principais receptoras de dinheiro de Cláudio, conforme identificou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf.

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A Blockskip diz no seu registro de CNPJ (baixado em dezembro de 2022) que tinha como atividade principal a intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral. Apesar disso, nunca teve presença online, sem site ou perfis em redes sociais, e seu nome não é conhecido no setor cripto brasileiro.

Dos R$ 919,1 mil transacionados por Cláudio em intervalo de pouco mais de dois meses, entre 21 de abril e 5 de julho de 2021, R$ 524,6 mil passaram pela Blockskip, pouco mais da metade de todas suas transações no período.

Por meio de uma amostragem apresentada no Relatório de Inteligência Financeira (RIF) da PF, a Blockskip também recebeu R$ 233,4 mil de Glaidson Acácio dos Santos, como pessoa física, cujo destinatário final supostamente era Cláudio Barbosa.

Procurado pelo Portal do Bitcoin, André Horta não quis comentar que tipo de serviços a Blockskip oferecia nem qual era a relação da empresa com Cláudio e Glaidson.

“Infelizmente não podemos comentar muito, por ser algo em andamento na justiça”, diz Horta na resposta em que ressalta os “altos padrões de compliance, KYC e AML” da BitcoinToYou, bem como sua colaboração com as autoridades, sem mencionar, no entanto, a Blockskip.

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Além de supostamente captar dinheiro para Cláudio Barbosa, a amostragem da investigação da PF também traz a relação dos destinatários de valores enviados pela Blockskip. Em um caso, a Vivar Tecnologia, que é como a corretora BitcoinToYou está registrada, aparece recebendo R$ 58,7 mil da Blockskip.

O papel de intermediação que essa última empresa exercia para os fundos – possivelmente ilícitos – do líder da Trust Investing chamou atenção das autoridades, que fizeram uma visita ao endereço onde a Blockskip está registrada em Belo Horizonte (MG). Por lá, não encontraram nada que remetesse ao negócio.

“Por meio de diligências no local foi possível verificar que a empresa não está instalada no local e que os funcionários próximos nunca tiveram conhecimento de tal empresa. A empresa tem um capital social registrado em R$ 10 mil. A informação tem relevância pois foi considerada os seguintes motivos objetivos: movimentação com entrada e saída de recursos através de TEDs e transferências internas, de mesma titularidade, pessoas físicas diversas e empresas do ramo de criptoativos”, diz um trecho da investigação.

O documento também não deixou passar em branco a relação que a BitcoinToYou já teve no passado com outra pirâmide financeira ligada a criptomoedas, a D9 Club.

“Pode se verificar a possibilidade da mesma [BitcoinToYou] atuar em crimes de pirâmide financeira e estar junto de Danilo Vunjão Santa (Danilo Dubaiano, Criador da pirâmide D9, que prometia rendimentos com Bitcoin e vive vida de luxo e ostentação em Dubai)”, diz trecho da investigação da PF.

Bitpreço e RR Pagamento

Sobre as movimentações da Blockskip, a investigação da PF também descreve que a empresa recebeu R$ 950 mil da corretora de criptomoedas brasileira BitPreço, e cerca de R$ 160 mil de uma empresa chamada RR Pagamento de Crédito e Cobranças. Essa última empresa foi extinta e no seu quadro societário consta uma pessoa chamado Marcos Constantino, que atualmente está preso em uma penitenciária de Pernambuco.

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Aqui não está claro, no entanto, quanto dos valores que a Blockskip recebeu da BitPreço e da RR Pagamento foram parar na conta de Cláudio Barbosa. O fato é que ambas empresas aparecem na lista de pessoas jurídicas com as quais o piramideiro teve relações financeiras.

Pessoas e empresas que movimentaram fundos de líder foragido da Trust Investing, Cláudio Barbosa
Pessoas e empresas que transacionaram com líder foragido da Trust Investing, Cláudio Barbosa (Fonte: Ministério Público Federal/Portal do Bitcoin)

A PF ressalta no documento que as operações financeiras que compõem os dados aqui trazidos não completam todas as transações ocorridas nas contas em questão, apenas as identificadas como suspeitas de serem ocorrências de lavagem de dinheiro ou outro ato ilícito, repassadas pelo COAF.

Em resposta ao Portal do Bitcoin, a BitPreço esclareceu que Cláudio Barbosa não consta no quadro de clientes da corretora. Sobre o envio de R$ 950 mil para a Blockskip, a corretora explicou que “as transferências de valores para depósitos e saques, de reais e criptomoedas, são comuns e fazem parte do nosso modelo de negócios”.

A corretora também não soube dizer quanto do valor que beira R$ 1 milhão foi parar nas mãos do líder da Trust Investing: “Uma vez que transferimos valores para outras empresas que negociam conosco ou estão conectadas à nossa plataforma, não temos informações sobre o uso do recurso. Nossa relação é restrita ao CNPJ da empresa parceira ou cliente.”

Laranjas e empresas de fachada

As autoridades conseguiram provar nas investigações que Cláudio Barbosa usava diversas empresas de fachada e “laranjas” para ocultar a origem de valores oriundos da operação fraudulenta que liderava na Trust Investing.

O piramideiro, que já foi preso no passado por roubo e que atualmente se encontra foragido, movimentava dinheiro ilícito através da empresa de uniformes de sua ex-esposa, que mora no interior do Rio Grande do Sul. Ele também comprou pelo menos quatro carros de luxo e os registrou no nome da empresa, da ex-mulher, do filho e da tia dela, de 78 anos.

Em São Paulo, Cláudio também registrou outro carro de luxo de R$ 140 mil no nome de uma suposta amante que não tem habilitação, não trabalha nem estuda, e recebe auxílio emergencial — apenas dois dias depois de deflagrada a operação contra a Trust Investing, a mulher vendeu o carro. Cláudio também registrou no nome dela um terreno de R$ 252,3 mil, localizado em Presidente Prudente (SP).

Para o Ministério Público Federal, está claro que o dinheiro usado nessas aquisições era ilícito:

“Os denunciados não nasceram ricos, não herdaram grandes fortunas, não ganharam em loteria, nem desenvolveram atividades econômicas lícitas que lhes permitam justificar a origem de seus patrimônios. A explicação acerca da origem dos seus recursos é bastante simples: atividades criminosas de longa data.”

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