Quantidade de Bitcoin minerado pelo Irã é um mistério

Alguns especialistas apontam que Irã pode ter minerado 200 mil unidades de Bitcoin desde que começou a fomentar o setor

homens em miniaturas lidando com moeda gigante de bitcoin

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Desde pelo menos 2019, o Irã tem recorrido à mineração e ao comércio de criptomoedas por necessidade — resultado de sanções internacionais severas e de uma moeda local que perdeu valor devido à inflação galopante

No entanto, especialistas disseram ao Decrypt que ainda é quase impossível estimar quanto o país detém em ativos digitais.

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O Centro de Finanças Alternativas da Universidade de Cambridge estimou que o Irã era responsável por 7,5% do hashrate do Bitcoin em março de 2021 — número que caiu para apenas 0,12% em janeiro de 2022.

Ao longo da história do país, Andrew Scott Easton, fundador e CEO do fundo de mineração de Bitcoin Masterminded, estima que o Irã tenha minerado aproximadamente 60.000 BTC — o que valeria US$ 6,4 bilhões aos preços atuais.

Enquanto isso, Kent Halliburton, cofundador e CEO da plataforma de mineração Sazmining, estima que, desde 2018, o país tenha minerado entre 100.000 e 200.000 BTC. Isso significaria que suas reservas podem valer entre US$ 10,7 bilhões e US$ 21,4 bilhões. O período é relevante, já que em 2019 o Irã começou a emitir permissões legais para mineração de criptomoedas.

Mas Rajat Ahlawat, pesquisador da empresa de compliance Crystal Intelligence, disse ao Decrypt que é muito complexo fazer essa estimativa. Isso porque a indústria de mineração no Irã foi, em grande parte, empurrada para a clandestinidade como forma de evitar os altos preços da eletricidade.

O setor mais fácil de rastrear é o das fazendas de mineração legalmente licenciadas. Em 2020, cerca de 1.000 licenças para fazendas de mineração foram emitidas, de acordo com o Conselho Nacional de Resistência do Irã — uma coalizão que se opõe ao atual governo iraniano. A mesma fonte afirmou que, em 2022, mais de 10.000 licenças foram concedidas a mineradores e corretoras.

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No entanto, o ex-presidente Hassan Rouhani afirmou que cerca de 85% da mineração no Irã era não licenciada em 2021. A empresa estatal de eletricidade do país, Tavanir, estimou que aproximadamente 700.000 equipamentos de mineração ilegais estavam operando no Irã no início deste ano.

Isso ocorre porque as fazendas licenciadas muitas vezes enfrentam dificuldades para obter lucro, segundo Ahlawat, devido às altas tarifas e aos preços da eletricidade impostos a elas.

“Vamos pegar a indústria de ferro e aço — ela consome muita eletricidade para fundição e outras atividades — mas as tarifas que essa indústria paga são menores do que as que os mineradores [de cripto] pagam”, explicou Ahlawat ao Decrypt, justificando por que tanta mineração ocorre de forma clandestina.

Quando um novo Bitcoin é minerado, não há registro on-chain de onde o minerador estava localizado. Isso significa que é impossível saber sua origem, o que permite que cidadãos iranianos e o governo escapem das sanções internacionais.

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Como resultado, uma das condições da licença de mineração de criptomoedas é que qualquer Bitcoin minerado deve ser vendido diretamente ao banco central do Irã, para que o governo se beneficie ao driblar as sanções. No entanto, isso faz com que mineradores individuais e grupos percam esse benefício da mineração de Bitcoin.

Por isso, grande parte da mineração no Irã vem de indivíduos e instituições como escolas e mesquitas, que têm acesso a eletricidade gratuita ou fortemente subsidiada, explicou Ahlawat. Isso sem contar as organizações ligadas ao governo que também mineram Bitcoin e se beneficiam de tarifas reduzidas.

Essas operações ilegais colocam enorme pressão sobre a rede elétrica iraniana, causando apagões em todo o país em alguns momentos, além de reduzir os lucros potenciais das fornecedoras de energia. O problema se tornou tão grave que a Tavanir começou a oferecer recompensas para quem denunciasse fazendas de mineração ilegais.

Devido à alta demanda por eletricidade da mineração de criptomoedas e aos relatos da mídia local, Ahlawat acredita que a maior parte das operações no Irã esteja concentrada em grandes cidades. Em 2022, por exemplo, a polícia iraniana descobriu e confiscou 9.404 dispositivos ilegais de mineração de criptoativos em Teerã ao longo de seis meses.

No domingo, os Estados Unidos bombardearam o sítio nuclear iraniano de Fordow, que fica enterrado profundamente em uma montanha. Do dia anterior ao ataque até terça-feira, o hashrate do Bitcoin caiu 27,9%, segundo o BitInfoCharts. Isso fez com que uma publicação no X viralizasse com especulações de que o Irã estaria minerando Bitcoin nas montanhas.

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Ahlawat acredita que a instalação nuclear teria infraestrutura elétrica suficiente para operar uma fazenda, mas acrescentou que não há evidências específicas sugerindo que exista uma operação de mineração em Fordow. Enquanto isso, a empresa de mineração Blocksbridge Consulting refutou a teoria em um boletim informativo, afirmando que a indústria não deveria dar tanta atenção às variações de curto prazo no hashrate, dada sua volatilidade diária (o chefe de pesquisa da Galaxy, Alex Thorn, disse o mesmo no X).

Ainda assim, Ahlawat afirmou que, se a instalação nuclear estivesse realmente minerando Bitcoin, isso ocorreria sob ordens do governo iraniano ou de um de seus braços.

O Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, conhecido como IRGC, é considerado um grande operador na mineração de criptomoedas no Irã, segundo Easton e Ahlawat. O IRGC é um ramo poderoso das forças armadas iranianas, criado após a revolução de 1979. Easton acredita que o IRGC seja provavelmente o maior minerador de Bitcoin do país, citando um artigo do Conselho Nacional de Resistência do Irã.

“De novo, não temos números exatos”, acrescentou Ahlawat. “Como o governo está envolvido, o Irã tem um histórico excelente de esconder as coisas, então toda a mineração feita pelo governo é oculta. Por isso não temos nenhuma visão sobre isso.”

Resumindo: não se sabe ao certo quanto Bitcoin o Irã minerou. Isso porque cerca de 85% da indústria teria sido empurrada para a clandestinidade como forma de evitar contas de luz altas e manter seus tokens de criptoativos.

É fácil julgar a indústria de mineração iraniana, mas uma grande parte da população civil do país está apenas tentando ganhar algum dinheiro e escapar da hiperinflação nacional. O Decrypt encontrou uma conta nas redes sociais vendendo caixas à prova de som para mineradores domésticos, com 166 mil seguidores — o equivalente a 0,18% da população iraniana.

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O público iraniano é tão envolvido com cripto que, no ano passado, autoridades do país alertaram contra o jogo Hamster Kombat, do tipo “tap-to-earn”, no Telegram. O almirante Habibollah Sayyari, vice-chefe das forças armadas do Irã, disse que o jogo era uma distração criada pelo “inimigo” para desviar a atenção da política nacional, chamando-o de parte da “guerra suave” do Ocidente contra o Irã.

Apesar do alerta, os cidadãos continuaram jogando o game de cliques que prometia um airdrop de tokens cripto conforme o progresso no jogo. O aplicativo atraiu mais de 300 milhões de jogadores, todos com esperança de enriquecer com o miniapp do Telegram. No entanto, muitos se queixaram de que, ao receberem seus tokens, ganharam apenas “poeira”, devido ao valor extremamente baixo.

O token HMSTR já caiu 90% desde seu pico histórico, alcançado logo após o lançamento. Se algum iraniano manteve seus tokens HMSTR na esperança de se proteger da inflação de aproximadamente 38% no país, acabou fracassando.

* Traduzido e editado com autorização do Decrypt