Imagine que você é um minerador de Ethereum e, por quase dez anos, seu trabalho oficial tem sido o mesmo: você acorda ao som de um chiado industrial, prepara um rápido café da manhã com cereal matinal cheeeeio de açúcar, “faz um cooper” nas ruas poluídas da sua cidade, depois volta para a garagem onde suas máquinas são mantidas. Lá você atende aos caprichos muitas vezes incompreensíveis delas—para que então elas te recompensem com preciosos ETHs.
Você viveu assim por anos, provavelmente ficou muito rico, mas se mantém dolorosamente consciente do inevitável fim que se aproxima, e que foi programado por um bando de nerds hediondos.
Quando a Fusão finalmente chegou, como aconteceu no início deste mês, seu mundo de mineração ETH foi virado de cabeça para baixo, varrido em minutos.
Deixando de lado as reflexões mais metafísicas dessa transformação, uma questão prática é mais impactante: o que fazer com um galpão lotado de GPUs que custaram o olho da cara e agora não podem ser usadas para minerar ETHs com um ROI minimamente aceitável?
Os processadores de computação gráfica podem facilitar uma série de coisas interessantes além da mineração: dobramento de proteínas para pesquisas da cura do câncer, quebra de senhas complexas e, é óbvio, a busca por vida extraterrestre (Em forma de criptomoedas!).
Mas o que mais dá para fazer com eles?
Dá para você acelerar o processamento gráfico do seu PC para aquela sessão corujão de “Counter-Strike: Global Offensive”. Ou construir um coração artificial antes desse inevitável infarto que te espera, quem sabe? Tem muita gente na Rússia usando as GPUs para aquecimento doméstico, naquele inverno gostoso que eles têm por lá. É estranho, mas sim—um número considerável de ex-mineradores estão fazendo exatamente isso.
Um minerador, que se autodenomina Alphamine (provavelmente não o seu nome de nascimento, eu imagino) me contou que planeja aquecer a sua casa com as suas antigas GPUs, que consomem muita energia. Por enquanto, ele ainda está minerando—embora seja uma moeda minúscula, principalmente sem lucro, chamada FLUX, pelo puro amor em continuar contribuindo com o ecossistema cripto. Ele está fazendo coisa de 10% do lucro que obtinha com Ethereum, mas espera amortizar seu custo aquecendo sua casa com cerca de 80 GPUs modelo GeForce RTX 3060 Ti.
Outro minerador que se identificou apenas como “stepwn ” também usa suas antigas plataformas de mineração para aquecimento— mas não para aquecer sua casa, e sim sua estufa. “Eu mudei da mineração cripto para a agricultura”, disse ele. Stepwn migrou do FarmVille digital para o da vida real começando com alguns pequenos lotes de “plantio direto” em seu quintal. Ele diz que agora tem um “sistema aquapônico completo dentro de uma estufa de quase 20 metros.”
Nas palavras dele: “a mineração me ensinou que, quando tenho o equipamento certo nas condições certas, posso obter uma renda passiva, e o cultivo é apenas usar o equipamento certo para manter as condições certas para as plantas. Foi preciso muita tentativa e erro, mas encontrei as culturas que funcionam bem para mim—quiabo, tomate, feijão e ervilha.”
Verdade seja dita, a estufa é aquecida com Monero (XMR), não com a mineração de frações de ETH. Ele tem outro esquema em mente para essas frações de ETH: uma “gaming bar” para o PC dele.
Novos projetos
As GPUs têm outros usos interessantes, é claro. Nick Hansen (esse provavelmente manteve o nome original) é o co-fundador da Luxor, um enorme pool de mineração que agregou o trabalho dos mineradores e distribuiu recompensas entre eles. Para Hansen, a Fusão matou um fluxo de receitas consideravelmente lucrativo.
A principal preocupação de Hansen agora é ajudar seus clientes a encontrar outros usos para o hardware—pra ontem. (Um terço deles já desligou suas GPUs, ele me disse.) Uma solução promissora: usar as GPUs restantes para alimentar grandes redes neurais, data centers de Inteligência Artificial e produtos de renderização digital. “Provavelmente será possível recuperar nossas perdas com isso”, disse Hansen.
Nesse contexto, as GPUs canalizariam sua gigantesca potência de computação em projetos complexos e com uso intensivo de energia, como a já bastante popular Inteligência Artificial geradora de imagens, dall-E, que—se você ainda não sabia, seu hipócrita!— usa uma quantidade insana de poder computacional.
Como Hansen aponta, isso escancara a mentira que é essa falsa noção de que a Fusão vai ajudar a reduzir drasticamente o uso de eletricidade das GPUs. “Essas GPUs não vão desaparecer magicamente”, disse ele. “Elas serão usadas para outras coisas.”
É um pensamento sombrio e belo, na verdade: a Fusão desencadeando algum tipo de êxodo de mineração generalizado que vai alimentar e capacitar tecnologias de Inteligência Artificial, de forma geral, o que — em breve — nos transformará em pesos para porta.
Resta saber se isso seria melhor para o meio ambiente.
*Coluna de humor escrita pelo correspondente Ben Munster. Traduzida com autorização do Decrypt.co.
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