O Brasil e os caminhos do mercado mundial de crowdfunding

O livro que foi publicado por professores pesquisadores do Ledh.uff

Imagem: Shutterstock

Essa é a última parte de uma série de textos sobre investimento coletivo. Se você ainda não leu o artigo anterior, confira: “4 passos para investir em uma startup“.

Como vimos no decorrer dessa série, o investimento coletivo no Brasil é um mercado em construção. Nessa jornada, as primeiras plataformas surgiram em 2014 e a regulamentação em 2017, estimulando o crescimento da atividade como um todo.

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No entanto, quando comparamos nosso mercado com outros mais maduros, percebemos que ainda temos muito por construir e evoluir. E isso se aplica tanto na utilização desse mercado por parte dos investidores e das empresas, como nas regras e regulamentações que permitam a consolidação e sofisticação dessa modalidade de investimento.

Nesse artigo vamos falar sobre o mercado internacional de crowdfunding de investimento além de discutir algumas práticas brasileiras e o que podemos esperar em um futuro próximo para esse mercado.

Mundo

De acordo com os últimos dados (relatórios publicados em 2019 referentes ao mercado de 2017) da Cambridge Centre for Alternative Finance (CCAF), o mercado de crowdfunding, de maneira geral, demonstrou um crescimento global de 44,2%. E os três países dominantes são China com 86% do mercado, Estados Unidos com 10,3% do mercado e Reino Unido com 1,88%. 

Tabela: Ranking dos 30 países com maiores volumes financeiros no mercado de crowdfunding. Fonte: P2PMarketData

Importante ressaltar que esses dados referem-se ao mercado total de crowdfunding, ou seja, é a soma dos volumes financeiros de todos os tipos: donation-based, reward-based, equity-based, etc.

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Quer saber mais sobre os diferentes tipos de crowdfunding e suas características, confira esse artigo: “Crowdfunding: o que você precisa saber para ganhar dinheiro com investimento coletivo“.

Porém, a maior parte desse volume está concentrada nos modelos de empréstimo (crowdlending). Na China e nas Américas essa concentração é superior à 90% e na Europa 60%. Perceba que o mercado europeu é mais maduro nos outros tipos de crowdfunding, transformando-se em uma referência consolidada para o mercado brasileiro.

Vamos olhar no detalhe o que torna o mercado europeu e, especificamente, o Reino Unido um exemplo a se seguir.

Europa

Analisando a modalidade de equity crowdfunding, foco dessa série de textos, o mercado europeu (exceto Reino Unido, que trataremos de forma separada) apresentou um forte crescimento no volume financeiro das transações, saindo de menos de € 20 milhões para mais de € 200 milhões, em apenas 4 anos (2012-2016).

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Gráfico: Volume financeiro das transações referentes a equity crowdfunding na Europa, exceto Reino Unido, em milhões de Euros. Fonte: Statista

No entanto, no ano de 2017, observamos uma queda de 3,6% no volume financeiro das transações, explicada pelo fortalecimento dos demais tipos de crowdfunding, como por exemplo, debit-based securities e minibonds que cresceram 229,1% e 186,4% respectivamente.

Entre os países destacamos a Finlândia com maior volume financeiro, € 51 milhões, seguida pela França com € 48 milhões e pela Suíça com € 34 milhões. As empresas que fazem o uso dessa modalidade para captação de investimentos estão nas indústrias de tecnologia médica, meio ambiente, energias renováveis, desenvolvimento de softwares e fornecimento de serviços.

Reino Unido

Com uma história de 10 anos de crowdfunding, o Reino Unido definitivamente é um caso de sucesso que estudamos com o objetivo de analisar os fatores que contribuíram para a consolidação e o crescimento do mercado.

Implementar esse exemplo de forma “tropicalizada” vem sendo o objetivo tanto dos reguladores como dos agentes que participam e fomentam esse ambiente no Brasil.

Ao compararmos com o restante da Europa, o Reino Unido demonstra números extremamente expressivos, como por exemplo, um volume financeiro transacional de £ 333 milhões em 2017, representando quase o dobro dos demais países europeus.

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Gráfico: Volume financeiro das transações referentes a equity crowdfunding no Reino Unido, em milhões de Libras. Fonte: Statista

No Reino Unido, o crowdfunding de investimento continua sendo crucial para o financiamento da pequena empresa, preenchendo o gap na captação de recursos que existe no ciclo de vida de uma startup.

Quer saber mais sobre o processo e os agentes envolvidos na captação de recursos da pequena empresa/startup, confira esse artigo: “Nem só de Ideias vivem as Startups – o Processo de Fundraising“.

Em 2011 apenas 8 negócios foram concretizados através de plataformas eletrônicas de investimento. Já em 2018, os investidores de crowdfunding se tornaram o segundo tipo mais ativo perdendo apenas para as empresas de private equity and venture capital.

O mapa abaixo demonstra a expansão dessa modalidade de investimento durante 7 anos e a concentração da atividade na região sudeste.

Mapa: Expansão do mercado de crowdinvesting no Reino Unido no período de 7 anos (2011-2018). Fonte: Beauhurst

Além desse crescimento, um outro sinal de amadurecimento do mercado é o aumento do percentual de negócios realizados com startups em estágios mais avançados ou até mesmo já estabelecidas. Isso demonstra que o crowdfundig tem se tornado mais conhecido e também mais confiável, permitindo que as marcas se envolvam diretamente com os consumidores.

Gráfico: Percentual de negócios em cada estágio de evolução da empresa. Fonte: Beauhurst

Enquanto em 2013 apenas 17,6% dos negócios de crowdfunding foram fechados por empresas no estágio de Venture, no primeiro semestre de 2019, esse número atingiu o valor de 40,5%.

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Plataformas

Atualmente, no Reino Unido, há 41 plataformas eletrônicas focadas no equity crowdfunding, das quais podemos destacar: Crowdcube, Seedrs, Syndicate Room, Crowdfunder, Venture Founders, Angels Den, Code Investing entre outras.

Vale ressaltar que grande parte das plataformas possuem simultaneamente diversas ofertas em captação. No momento de escrita deste texto, por exemplo, a Seedrs possuía 18 ofertas abertas e a Crowdcube 21.

O nosso mercado está bem aquém desses números como vimos no texto sobre as plataformas brasileiras. Esse resultado é reflexo direto não apenas de um mercado em desenvolvimento mas também de uma atividade empreendedora crescente.

Além disso, ainda não temos a mesma percepção que os países com um mercado mais maduro acerca dessa modalidade de investimento.

Muitas vezes me parece que as melhores oportunidades não chegam às plataformas pois recebem investimentos de anjos ou grupos que se adiantam na busca pelo próximo unicórnio.

Portanto, as plataformas acabam recebendo as ofertas das empresas que não conseguiram levantar investimentos com outros agentes do mercado, os quais enxergam com maus olhos empresas que levantaram dinheiro através do crowdfunding.

Vale ressaltar que as próprias startups preferem captar através de fundos de venture capital e private equity ao crowdfunding de investimento.

O resultado é um círculo vicioso que não ajuda em nada o crescimento e a consolidação desse mercado.

Além do grande número de plataformas e ofertas, existe a figura do marketplace de investimentos alternativos. São sites que além de desempenharem o papel de buscadores eles também analisam e ranqueiam as ofertas, os produtos e as próprias plataformas, facilitando muito a análise por parte do investidor que consegue ter uma visão geral do mercado sem precisar buscar individualmente as informações.

Um exemplo de marketplace é a Nextfin que disponibiliza uma série de filtros para a busca das ofertas. É possível procurar através da categoria (health and fitness, medical, education entre outras) da plataforma e do incentivo fiscal (EIS ou SEIS), que veremos com mais detalhes no tópico sobre regulamentação.

Imagem: Marketplace Nextfin

No mercado brasileiro, a figura do marketplace é ainda nebulosa já que por regulamentação é vedado às plataformas utilizar material publicitário de divulgação da oferta fora do ambiente eletrônico da plataforma e também distribuir fora desse mesmo ambiente.

Regulamentação

O estabelecimento de uma regulação clara desde 2011, pela Financial Conduct Authority (FCA), permitiu que as plataformas da região iniciassem as atividades com maior segurança.

Além disso, investidores de startups no Reino Unido também contam com incentivos fiscais. O EIS (Enterprise Investment Scheme) e o SEIS (Seed Enterprise Investment Scheme) são programas desenhados para encorajar investimentos em pequenas empresas que em troca dão ao investidor uma série de incentivos fiscais, como por exemplo, a isenção sobre ganhos desde que esses tenham sido realizados após 3 anos do investimento.

Vale ressaltar que a flexibilização de algumas regras e regulamentações normalmente é o caminho natural para a evolução e o fomento desse mercado.

No Brasil, a Comissão de Valores mobiliários (CVM) é a responsável por regulamentar esse mercado. Adicionalmente temos outros órgãos que também contribuem para o desenvolvimento do crowdfunding de investimento, como por exemplo, a Associação Brasileira de Crowdfunding de Investimento.

Sua missão é facilitar e multiplicar o investimento semente no Brasil, principalmente através do Crowdfunding de Investimento, de forma a fortalecer o ecossistema empreendedor do país.

Imagem: Associação Brasileira de Crowdfunding de Investimento

Além disso, as próprias plataformas participam do desenvolvimento desse mercado colaborando nas consultas públicas e levando sugestões ao regulador.

Mas o que podemos esperar desse mercado nos próximos anos?

Perspectivas

Não há dúvidas de que o desenvolvimento do mercado secundário, ou seja, a possibilidade de compra e venda entre os investidores, é fundamental para a consolidação desse mercado no cenário brasileiro. E o caminho natural seria a implementação das negocições dentro das próprias plataformas eletrônicas de investimento, assim cada uma teria o seu “ambiente de negociação”.

No entanto, primeiramente é necessário que o mercado primário cresça o suficiente para garantir uma liquidez adequada às operações. Uma das formas de fomentar esse mercado é ter regras que permitam a sofisticação das negociações já existentes. Como por exemplo, a possibilidade de comprar cotas de fundos que invistam em startups.

E uma das maneiras de testar regras mais permissivas e novos modelos de negócio é através do sandbox regulatório (ambiente regulatório experimental) que tem o objetivo de flexibilizar os requisitos regulatórios por um período limitado de tempo.

A própria CVM colocou em audiência pública entre agosto e setembro de 2019 um edital para a apresentação das manifestações sobre a constituição e o funcionamento do sandbox regulatório.

Um dos primeiros países a implantar esse modelo de ambiente regulatório experimental foi o Reino Unido, em 2016, com o objetivo de promover mais competição em serviços financeiros regulados por meio de inovação disruptiva.

Segundo um dos estudos pós-sandbox regulatório da FCA, o time-to-market, ou seja, o tempo de colocação de um produto no mercado, diminuiu até três vezes depois do início desta prática. Isso comprova que o sandbox encoraja o lançamento de novos serviços, pois a experiência elimina as possíveis inseguranças que poderiam existir antes.

Eu acredito que esse possa ser um dos caminhos para a sofisticação do mercado de crowdfunding e o seu consequente crescimento.

*Esse artigo foi publicado originalmente pela autora em sua página no Linkedin.

Sobre a autora

Tamara Ferreira Schmidt é física, empreendedora e especialista em mercado financeiro, com passagem pela ANBIMA e B3. Atua na área de investimentos e estruturação de produtos, tanto em mercados tradicionais como em disruptivos, como os de criptomoedas e crowdfunding.