Justiça bloqueia bens de corretor de seguros acusado de desviar R$ 125 mil em bitcoin de idosos

Defesa do acusado disse que vai recorrer da decisão
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Imagem ilustrativa (Foto: shutterstock)

A Justiça de São Paulo bloqueou em dezembro parte dos bens de Jorge Augusto Pereira Paiva, ex-corretor de seguros de vida da seguradora Prudential. Ele é acusado de enganar e sumir com R$ 125 mil em bitcoin de um casal de idosos aposentados. Conforme a decisão, Paiva também terá que pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais.

O Portal do Bitcointeve acesso à íntegra do processo, que é público. Nos autos, a defesa das supostas vítimas — Fernando Antônio Arantes e Rosangela Pereira — informou que Paiva prestou serviço para a filha do casal no final de 2019, por meio da Prudential. Durante o relacionamento entre os dois, ainda segundo a defesa, o ex-corretor de seguros — que também é proprietário da empresa J&CA Corretora de Seguros de Vida – teria virado amigo dos pais dela e se transformado em uma espécie de conselheiro financeiro antes de aplicar o suposto golpe.

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Nos autos, a advogada do ex-corretor disse que o casal teria dado o dinheiro convertido em bitcoin por vontade própria. Além disso, alegou que Paiva não devolveu as criptomoedas porque os ativos estavam supostamente dentro de uma ledger (dispositivo físico para guardar criptos), que teria sido roubada em um suposto sequestro relâmpago sofrido por ele em março deste ano.

Na decisão publicada no Diário Oficial de São Paulo na quinta-feira (15), o juiz Jose Fernando Steinberg, da 1ª Vara Cível de Campinas (SP), disse que há um “grau elevado de culpa dos réus, que obtiveram valores, prometendo remuneração/retorno financeiro impossível”.

Somente Paiva e a J&C Corretora de Seguros de Vida são citadas no processo. A reportagem contatou a Prudential, que não é ré na ação. Em nota, a empresa informou que não faz parte do processo judicial mencionado e, por isso, desconhece os detalhes de seu conteúdo. A seguradora ainda informou que Paiva e a J&CA não fazem “mais parte da rede de franquias da Prudential desde setembro de 2019” e que “lamenta qualquer infortuno vivenciado pelo casal”.

Procurada, a defesa de Paiva disse que vai recorrer da decisão, que é de primeira instância. Já a defesa do casal não quis comentar.

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Casal alega pressão

Nos autos, a defesa do casal disse que, após passar um tempo se relacionando com os idosos, Paiva teria iniciado uma “forte pressão para que os requerentes deixassem de investir pelo banco de sua confiança” e investissem R$ 125.000 em criptomoedas.

Paiva, ainda segundo a defesa dos idosos, teria prometido retorno fixo de 2% ao mês em cima do montante, o que daria cerca de R$ 2.500 mensais

O valor, de acordo com o processo, teria sido enviado para contas abertas por Paiva em duas exchanges nacionais. O recurso, posteriormente, teria sido transferido para uma corretora internacional chamada IC Markets, com sede em Sidney, na Austrália.

“Para lastrear sua credibilidade, o requerido informou que todas as operações eram feitas por robôs de alta tecnologia, além de registradas em grandes exchanges de bitcoins, não havendo motivos para desconfiança”, disse a defesa.

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Nos autos, a advogada de Paiva relatou que a informação de que o ex-corretor teria pressionado o casal a investir “carece com a verdade”. Informou ainda que relação entre seu cliente e o casal era profissional e “todas as decisões tomadas pelos requerentes (idosos) foram feitas de livre e espontânea vontade, jamais sendo realizada qualquer tipo de imposição ao casal”.

A defesa de Paiva também afirmou que, apesar de o casal ter idade avançada, eles são “muito bem instruídos” e que “se valer da velhice como pressuposto de ignorância afim de imputar a culpa a terceiro é argumentação que não merece encontrar respaldo algum, vez que todas as decisões foram tomadas mediante plena consciência dos ônus e bônus que rodeiam os investimentos em criptoativos”.

Desculpas e desculpas

De acordo com a ação, Paiva deveria iniciar os pagamentos no final de 2019, mas não cumpriu com a promessa. No começo de 2020, após contato feito pelo casal, ele teria dito que o sistema da corretora de criptomoedas estava com problema e não iria conseguir pagar os juros prometidos naquele momento. Depois, Paiva teria estabelecido um prazo de mais 60 dias para pagar, mas também não cumpriu com a palavra.

Ainda no início do ano, Paiva teria alegado que o mercado estava em crise por causa da pandemia do novo coronavírus e pediu mais um mês de prazo para pagar. Logo após isso, ele disse que não conseguia mais arcar com a dívida por questões pessoais, “como a relação com a filha, doenças da esposa e falta de família”, segundo o processo.

Nos autos, a defesa de Paiva não comentou os prazos não cumpridos.

Ex- corretor Jorge Augusto Pereira Paiva

Perda da carteira com bitcoins

No dia 3 de março, ainda conforme a ação, Paiva teria dito para o casal que os bitcoins dos idosos estavam em uma carteira física para guardar criptomoedas, uma ledger. No entanto, de acordo com o processo, ele disse que o dispositivo teria sido roubado durante um assalto, “lhe deixando sem acesso aos investimentos pessoais e dos idosos”.

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Conforme o processo, Paiva registrou um Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia na Rua Brigadeiro Tobias, número 527, no bairro Bom Retiro, em São Paulo. O Portal do Bitcoin teve acesso ao documento e verificou que o BO foi registrado somente no dia 27 de março.

Nos autos, a defesa do ex-corretor não comentou o fato de o BO ter sido registrado 24 dias depois do suposto assalto relâmpago. Falou apenas que com a “perda tanto do ledger como de sua chave de acesso, o rastreio e resgate do dinheiro investido em criptomoedas não se faz mais possível”.

A advogada disse ainda que no dispositivo havia R$ 600.000 em bitcoins, que pertenciam a ele, ao casal e a outras pessoas, como o irmão de Paiva. “Veja, Excelência, que não estamos diante de um golpe financeiro minuciosamente orquestrado, como persiste em alegar a exordial. Longe disto, estamos diante de uma cadeia de imprevisibilidades que culminaram em uma fatalidade financeira, tanto para o requerido como para os requerentes”, disse.

Movimentação na blockchain

Apesar de anunciar o suposto sequestro e a perda dos bitcoins, em julho deste ano Paiva movimentou 4,26 bitcoins (cerca de R$ 500 mil hoje em dia e R$ 300 mil na época) no endereço da ledger juntado ao processo (17vdMg8TZ2o7QhPTKSERyjQmEi95BbPLtr), conforme pesquisa feita pela reportagem no site blockchain.com.

Sobre esse assunto, a defesa de Paiva disse na ação que o valor movimentado no endereço não “é proveniente do dinheiro que estava guardado na ledger”. Disse também que esse valor não tem qualquer relação com o processo. Já a defesa dos idosos questionou nos autos como foi possível a movimentação de dinheiro no dispositivo mesmo após a suposta perda da wallet.

Na decisão de primeira instância que condenou Paiva, o juiz Jose Fernando Steinberg reconheceu a culpa do corretor. Para justificar a decisão, ele falou que a relação jurídica entre os envolvidos foi comprovada nos autos do processo.

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Ele disse também que postura de Paiva é incompatível com os deveres de “boa-fé contratual”, já que ele deixou de responder os pedidos de esclarecimento dos idosos.

“De tal sorte, o não pagamento periódico, consequência do esvaziamento da conta dos autores, junto à operadora escolhida pela ré, configura evidente inadimplemento dos réus. Com amparo no princípio da liberdade contratual, é viável o pedido do autor para que haja resolução/rescisão do contrato. Ademais, mostra-se devida a restituição ao status quo ante visando dirimir os danos causados ao consumidor ocasionados pelo inadimplemento dos réus , nos termos do art. 14, CDC”.

Sobre o suposto roubo da ledger ocorrido durante o suposto sequestro, o juiz disse que a alegação não deve prosperar e não deve ser levada em consideração para afastar a responsabilidade de Paiva.

“Em outras palavras, a responsabilidade civil não pode ser afastada, se o fortuito, que impossibilitou a execução da obrigação, ocorreu durante a mora do devedor, ressaltando-se, que tal perecimento decorreu de negligência grave dos réus, que transportaram o dispositivo de armazenamento das criptomoedas (ledger), juntamente, com a frase de recuperação dos dados virtuais, nos precisos termos do artigo 399, do Código Civil”, finalizou o juiz.