As primeiras exchanges de criptomoedas surgiram em 2010, um ano após a criação do Bitcoin. As chamadas exchanges centralizadas (CEX) foram as primeiras plataformas de negociação de criptoativos, sendo a extinta Mt. Gox a maior e mais famosa dessa safra.
Desde então, esses mercados de negociação centralizados passaram por significativas evoluções, melhorando em aspectos como usabilidade, interfaces de usuário e integração com diferentes tokens fiduciários, facilitando o acesso do público em geral ao mercado cripto. Atualmente, entre as principais é possível citar a brasileira Mercado Bitcoin, bem como as internacionais Binance, Coinbase e Kraken.
Apesar desses avanços, o modelo dessas exchanges carrega um ponto crítico: a custódia dos ativos dos clientes está sob a responsabilidade da instituição. Esse fator de confiança, somado à vulnerabilidade das exchanges a ataques cibernéticos e fraudes, levou a incidentes notórios, como o infame hack da Mt. Gox em 2014, que levou ao sumiço de 650.000 BTCs de clientes — mais de 5% de todos os BTCs existentes à época.
Outro evento digno de nota foi a quebra da FTX, em novembro de 2022. A corretora aplicava os criptoativos dos clientes em seus investimentos proprietários, o que provocou uma perda de US$ 8,9 bilhões para seus clientes.
Com a chegada do ecossistema Ethereum, a primeira rede a oferecer suporte à criação de contratos inteligentes, os smart contracts — acordos digitais que executam automaticamente conforme programação pré-estabelecida — novos produtos e serviços financeiros começaram a emergir.
Entre estas soluções, a que faz o contraponto à CEx, é a de DEx, decentralized exchange. Atualmente, a maior delas é a Uniswap, representando mais de 54% do volume negociado deste mercado nos últimos 3 meses. Para ter ideia da dimensão da Uniswap, atualmente o seu volume transacionado equivale a cerca de 90% do volume transacionado da Coinbase, a maior corretora cripto dos EUA.
Para que as transações ocorram na Uniswap é necessário compreender dois papéis fundamentais que seus participantes cumprem: o do liquidity provider e o do trader. Os liquidity providers são aqueles que disponibilizam pares de tokens nas liquidity pools para que outros agentes possam comprar e vender tokens. Os traders são aqueles que transacionam contra as liquidity pools, entregando suas tokens para elas e recebendo a token demandada em troca.
Além disso, o preço de mercado é definido por um algoritmo e depende das quantidades de tokens existentes na liquidity pool conforme veremos abaixo. Essa é uma diferença fundamental entre o método de negociação da Uniswap e o dos livros de ordem amplamente disseminados nas maiores bolsas do mundo e nas CEx.
Vamos a um exemplo simplificado do funcionamento da primeira versão da Uniswap. Suponha a existência de uma liquidity pool de ETH/USDT, com diversos participantes, que tenha 100 ETH e 200.000 USDT. Imagine que um trader queira trocar 1 ETH por USDT contra esta liquidity pool. O preço de mercado é definido pela quantidade de USDT dividida pela quantidade de ETH, ou seja, 1 ETH = 2.000 USDT. Deste modo, o trader vai entregar 1 ETH para a liquidity pool e receber 2.000 USDT menos o prêmio de liquidez e as taxas de transação.
Na prática, é possível quantificar o prêmio de liquidez, uma vez que o preço é definido por um algoritmo. Ao entregar 1 ETH para a liquidity pool, segundo o algoritmo, o trader deve ser penalizado em 1 – 100/101 que é aproximadamente 1%. Ou seja, o prêmio de liquidez medido em percentual é igual a 1 menos a quantidade inicial de ETH da liquidity pool dividido pela nova quantidade de ETH após a transação.
Desse modo, o trader receberá, na verdade, 1.980 USDT pela sua venda. Os 20 USDT de diferença para o preço de 2.000 USDT ficarão na liquidity pool e serão repartidos entre os liquidity providers. Essa diferença é conhecida como slippage. Em cima disso, ainda se aplicará uma taxa de transação que ficará também para os liquidity providers. É assim que os liquidity providers são remunerados por oferecer seus tokens para negociação.
As liquidity pools viabilizam que qualquer detentor de tokens, grande ou pequeno, com experiência de mercado ou não, disponibilize seus ativos para negociação a fim de receber uma parte das taxas e dos prêmios de liquidez deixados nas transações pelos traders.
De certa forma, a Uniswap democratizou, dentro do ambiente de criptoativos, a atividade dos market makers dos mercados tradicionais, restrita a grandes operadores do mercado financeiro. Aqui vai um alerta: ao buscar rendimentos provendo liquidez, o liquidity provider corre outros tipos de riscos, como o de impermanent loss. No nosso exemplo, conforme o ETH se valorize com relação ao USDT, o liquidity provider abrirá mão de parte da valorização do ETH.
As regras de troca demonstradas acima estão estabelecidas em smart contracts acessíveis a qualquer pessoa da rede Ethereum. Ninguém pode remover esses contratos da rede. Os contratos são de código aberto, de modo que qualquer pessoa pode auditá-los a fim de verificar se cumprem o que se propõe.
Outra característica da Uniswap é não deter os ativos de nenhum agente do mercado, nem mesmo dos liquidity providers, que também cumprem seu papel por meio de smart contracts, evitando os riscos que levaram às quedas da Mt. Gox e da FTX. Por este conjunto de propriedades, a Uniswap é reconhecida como uma bolsa ou uma corretora descentralizada de criptoativos, uma DEx.
A Uniswap tem evoluído ao longo do tempo por meio de suas sucessivas versões. Na sua primeira versão, lançada em novembro de 2018, todos os pares de negociação tinham que envolver ETH, a criptomoeda nativa da rede Ethereum. Era um começo promissor, mas limitado. As pessoas queriam mais flexibilidade, queriam poder trocar qualquer criptomoeda diretamente com outra, sem a necessidade de passar sempre pelo ETH.
Entendendo essa necessidade, a segunda versão da Uniswap foi lançada em maio de 2020. Agora, os usuários podiam criar liquidity pools com quaisquer pares de criptoativos que quisessem, permitindo maior flexibilidade por parte da criação de novas pools, sem ter de se limitar a criar um par sempre com ETH.
O lançamento da V2 veio em um momento oportuno, no começo do desenvolvimento e tração dos principais protocolos das finanças descentralizadas — AAVE, COMP, SNX, YFI — o que criou posteriormente uma das maiores valorizações do setor, principalmente no final de 2020 e início de 2021, o que ficou conhecido como DeFi Summer.
Inicialmente a Uniswap existia somente na rede Ethereum, mas isso mudou em setembro de 2021, quando ela começou a operar também na rede Arbitrum, abrindo caminho para se tornar multichain. Posteriormente, começou a operar também nas redes Optimism, Polygon, Celo, BNB, Avalanche e Base, nesta ordem.
Contudo, mesmo com essa nova liberdade, a eficiência na alocação de capital ainda não estava otimizada. Na prática, isso significava que a liquidez oferecida numa liquidity pool poderia estar empoçada, no sentido em que nenhum trade aconteceria para diversas faixas de preço em que a liquidez estava ofertada.
Foi aí que a terceira versão do Uniswap introduziu uma nova funcionalidade: os liquidity providers podiam definir intervalos de preços específicos para fornecer liquidez, permitindo a concentração de seus recursos em torno do preço em que houvesse mais atividade de mercado, aumentando assim a eficiência do capital alocado.
Apesar das melhorias de tecnologias desenvolvidas pelo protocolo, a inovação não chegou ao seu fim. Em 2023, a Uniswap Labs, empresa por trás do financiamento do protocolo, iniciou o desenvolvimento da sua quarta versão junto à comunidade de usuários e desenvolvedores.
Essa versão ambiciona oferecer novas funcionalidades para os participantes, como a capacidade de executar ordens limitadas, a criação de funções personalizadas, bem como redução de custos para listar um novo par e executar trades no protocolo. A atualização está prevista para o próximo ano e será um grande gerador de valor para a própria Uniswap e para o ainda jovem setor de finanças descentralizadas.
Sobre o autor
Bernardo Bonjean é empreendedor com extensa experiência na indústria financeira e fintechs, que começou a carreira em gestão de portfólio no Banco Pactual em 2002. Em 2008, integrou o time da XP investimentos como Head of Sales and Trading, período em que participou do curso OPM em Harvard e saiu para fundar a Avante. Durante a pandemia do Covid-19, Bernardo reviveu a paixão por cripto com a Metrix.
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