No dia 24 de junho de 2022, a corretora de criptomoedas CoinFLEX anunciou que iria suspender os saques dos clientes, o que fez o preço do seu token nativo FLEX despencar de US$ 4,30 para menos de US$ 1,50 em quatro horas. Ao mesmo tempo, FlexUSD, a stablecoin da exchange, também começou a perder sua paridade ao dólar e seu preço derreteu até US$ 0,23.
No dia 29 de junho, o CEO Mark Lamb explicou no Twitter que Roger Ver, o criador do Bitcoin Cash (BHC), um hard fork do Bitcoin (BTC), deve 47 milhões de USDC à CoinFLEX, o que resultou em uma redução de liquidez na corretora, que acabou emitindo um aviso de inadimplência.
Roger Ver, que antigamente tinha o apelido de ‘Jesus do Bitcoin’, respondeu:
“Recentemente, alguns rumores estão sendo divulgados de que deixei de pagar uma contraparte. Esses rumores são falsos. Não tenho dívidas com essa contraparte e esta me deve uma quantia significativa de dinheiro. Neste momento, estou em busca da devolução dos meus fundos.”
Recently some rumors have been
— Roger Ver (@rogerkver) June 28, 2022
spreading that I have defaulted on a
debt to a counter-party. These rumors
are false. Not only do I not have a debt
to this counter-party, but this counter-
party owes me a substantial sum of
money, and I am currently seeking the
return of my funds.
A equipe do Wu Blockchain soube de todos os detalhes sobre o incidente por meio de uma fonte envolvida na situação.
A CoinFLEX é uma corretora centralizada de derivativos com sede nas Ilhas Seychelles e que possui uma enorme “fazenda de cliques”, que expandiu o volume nocional de negociação em 24x do volume verdadeiro por meio de acordos de recompra.
Após essa crise de liquidez (antes de a notícia vir à tona), a CoinFLEX oficialmente explicou aos outros parceiros que havia aberto uma conta especial para Roger Ver. Normalmente, quando o valor líquido de uma conta cai abaixo da margem de manutenção durante a negociação do contrato, a corretora simplesmente liquida a posição.
Porém, Roger Ver, por ser um cliente com alto poder aquisitivo, assinou um acordo com a CoinFLEX, usando sua credibilidade pessoal como uma garantia de que sua conta não seria liquidada imediatamente se caísse abaixo da margem de manutenção e, em vez disso, ele teria tempo suficiente para realizar uma chamada de margem.
Roger Ver abriu uma posição líquida comprada (long) na CoinFLEX com uma margem em bitcoin cash, que havia sido inicialmente fornecida como garantia em torno de US$ 400. Em seguida, o preço de mercado caiu, deixando o patrimônio líquido da conta abaixo de sua margem de manutenção.
No momento em que a corretora enfrentava uma crise de liquidez e não conseguia oferecer saques, outros usuários ficaram cientes do incidente que acabou levando o preço do BCH abaixo de US$ 120.
Se fosse só isso, a CoinFLEX conseguiria recuperar seu déficit. No entanto, antes disso, a CoinFLEX havia emitido sua própria stablecoin, FlexUSD, assim como outras corretoras.
Nesse momento, a CoinFLEX usou FlexUSD para comprar uma enorme quantia de FLEX do mercado secundário e abriu posições de venda para proteger o preço “spot” (à vista). No entanto, a contraparte dessa posição de venda também era Roger Ver!
Isso significava que se Roger Ver não pagasse sua margem, a posição da CoinFLEX não seria rentável e seria equivalente a uma posição líquida comprada em uma grande quantidade de FLEX em spot. Então, quando o anúncio da restrição de saques foi feito, o total de fundos da CoinFLEX começou a cair de forma cíclica.
– A queda no preço do token FLEX resultou em cada vez mais prejuízo para as posições de Roger Ver.
– Um aumento nos prejuízos de Roger Ver resultou em um aumento nos atrasos de margem.
– Um aumento nos atrasos de margem resultou em uma crise de liquidez na CoinFLEX.
– A crise de liquidez causou ainda mais pânico e pressionou a queda no preço do FLEX.
Os prejuízos
No fim, a posição de Roger Ver ficou completamente desgastada e com saldo negativo, enquanto a CoinFLEX viu as consequências no preço do seu token.
Foi revelado que a CoinFLEX teve um prejuízo real de US$ 120 milhões, incluindo prejuízos com a perda de paridade da stablecoin FlexUSD e o prejuízo pelos saques (menos de US$ 10 milhões) por conta do colapso da ponte entre blockchains SmartBCH, criada pela CoinFLEX.
É claro que o prejuízo de US$ 120 milhões não pode ser culpa de Roger Ver — pelo menos, não pela perda de paridade da FlexUSD. Não apenas isso, mas a CoinFLEX estar vendendo FLEX a descoberto foi uma ação espontânea pela qual Roger Ver forneceu liquidez, senão ninguém iria querer ser uma contraparte para a CoinFLEX.
O prejuízo final atribuível a Roger Ver era de cerca de US$ 90 milhões — talvez mais, talvez menos. Estes estão entre os conflitos com os quais os dois protagonistas da história não conseguiram concordar.
Quando Roger Ver foi contatado pelas fontes envolvidas com o assunto, admitiu não ter completado as margens, mas não tinha fluxo de caixa suficiente à sua disposição para considerar o uso de ações (de empresas, como Blockchain.com ou Kraken) como garantia em vez da margem.
Porém, conforme ambos os lados estavam negociando, Mark Lamb veio a público pela CNBC, acabando com as negociações.
Neste momento, o preço da FlexUSD é de US$ 0,38, mas apenas se a CoinFLEX não liquidar a posição de Roger Ver. Levando isso em consideração, a FlexUSD também possui um fator de desconto de cerca de 70-80%, ou seja, o verdadeiro preço da stablecoin é de apenas US$ 0,06.
Os culpados
O principal problema disso tudo não foi a inadimplência de Roger Ver, mas também o péssimo gerenciamento de risco da CoinFLEX, pois Roger Ver se tornou quase a única contraparte da corretora e essa única contraparte teve o privilégio de não completar a margem a tempo.
Ambos os lados são culpados pela situação atual, mas usuários da CoinFLEX e SmartBCH foram injustamente prejudicados.
Para arrecadar o déficit de US$ 47 milhões, a CoinFLEX anunciou a emissão de um token chamado Recovery Value USD (rvUSD). Holders vão receber uma taxa anualizada de juros de 20%, que será financiada pelo pagamento de Roger Ver e receita pelas taxas de negociação.
Apesar das condições de mercado, corretoras podem ter lucro de forma estável contanto que não tomem o dinheiro de usuários e realizem outros investimentos de risco. Todas as corretoras que já fracassaram na história usaram dinheiro para outros propósitos ou até aumentaram sua alavancagem.
Assim, mesmo se Roger Ver não conseguir pagar suas dívidas, a CoinFLEX conseguirá compensar seu déficit com a receita gerada apenas por suas taxas de negociação.
Não é incomum que uma corretora emita tokens de passivo. Em 2019, a Bitfinex arrecadou US$ 1 bilhão ao emitir um token de passivo chamado LEO. Embora LEO não prometesse pagar muitos juros a seus holders na época, o rvUSD só precisa de US$ 47 milhões e é por isso que atraiu alguns fundos tradicionais de investimento em seu lançamento.
Atualmente, a CoinFLEX possui requisitos de KYC para compradores, que exige que estes tenham uma renda anual de US$ 200 mil, ou possuir US$ 1 milhão em ativos.
Sobre o autor
Artigo escrito por Joey Wu e editado por Colin Wu. Wu Blockchain é referência quando o assunto é a cobertura do mercado chinês de criptomoedas. Por meio de um blog e de um perfil no Twitter, ele cobre diariamente os bastidores da conflituosa relação entre a China e o bitcoin, além do mercado cripto em geral.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização de Wu Blockchain.
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