Como levantar capital para criar e alavancar uma startup de criptomoedas

Luiz Parreira narra os desafios de levantar capital para o Bipa e dá dicas para quem quer fazer um fundraising de sucesso
Imagem da matéria: Como levantar capital para criar e alavancar uma startup de criptomoedas

Foto: Shutterstock

Em outubro de 2021, nós do Bipa tínhamos acabado de iniciar reuniões com investidores brasileiros e internacionais: estávamos efetivamente “fundraising”.

"Fundraising” é a ação de levantar recursos (dinheiro, capital, etc) para um propósito específico (nesse caso financiar as operações e expansão do Bipa).

Antes de iniciar o processo, eramos cinco desenvolvedores. Tínhamos acabado de lançar a primeira versão da conta digital do Bipa e estávamos crescendo organicamente, com cerca de 1,7 mil contas ativas por mês.

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Com somente cinco pessoas, nós já tínhamos lançado um app nativo pra iOS e um para Android, escrito todo o backend e integrado com o Pix, Bitcoin e Lightning. Com isso, alguns fundos de investimento se interessaram por nós e entraram em contato procurando conversar e entender um pouco mais sobre o Bipa.

Ao mesmo tempo, eu conversei com alguns empreendedores que tinham levantado capital recentemente e após conversarmos sobre o Bipa e o que já tínhamos construído, eles nos encorajaram a conversar com investidores e se propuseram a nos apresentá-los.

Devido a todos esses “sinais”, nós achamos que estávamos bonitões na fita e prontos para desbravar o mundão de investimentos e assegurar nossa captação com os termos que queríamos.

Eu sou um otimista, então naquele momento ingênuo algumas vezes eu me peguei pensando que a rodada seria “over-subscribed” e criando razões fictícias em minha cabeça para explicar por que os investidores iriam nos “amar”.

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Over-subscribed” é quando uma rodada recebe interesse de diversos investidores ao mesmo tempo.

Então nós embarcamos na missão de levantar capital, procuramos introduções de investidores com nossa rede de contatos e entramos em contato com todos aqueles investidores que já tinham nos contatado. Ao mesmo tempo, conversei com alguns empreendedores que já tinham levantado capital, li diversos blog posts e livros, e mesmo assim tive que aprender diversas coisas na marra.

1. Zero suposições

Nunca presuma nada. O fato do investidor entrar em contato com você, não quer dizer nada. A única coisa que isso significa é que eles querem conhecer você, mas só isso. Se eles irão investir em você, é uma outra coisa.

Você verá quando um investidor realmente está interessado em investir em você, as perguntas que eles farão serão diferentes e o entusiasmo muito maior, mas mesmo assim, o interesse só vem mesmo se ambos evoluirem a negociação do investimento, discutir a valorização, diluição, etc.

Do outro lado a mesma coisa: se um investidor decidir não investir em sua empresa, não assuma que ele te odeia e nunca vai investir.

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Nunca leve para o pessoal, investidores recebem centenas de “leads” todos os dias e eles simplesmente não tem dinheiro para investir em todas essas leads, naturalmente eles irão falar mais não do que sim. Você tem que entender o investidor e o que ele procura, e convencê-lo de que você é a pessoa certa para criar o que está criando.

Leads” é dicas/possibilidades de investimento.

Outra coisa importante é: o investimento só está realmente fechado quando você receber o dinheiro em sua conta.

Todo contrato de investimento de venture capital é non-binding, o que quer dizer que eles podem “pular fora” a hora que bem entenderem. Portanto, a principal regra é: não presuma nada até o dinheiro de fato entrar no banco.

Nosso erro

Nós achamos que pelo fato de alguns fundos de nome terem entrado em contato conosco, que isso já era um sinal forte o suficiente para sairmos para rua levantar capital. Quando na realidade, quem estava entrando em contato conosco em sua maioria eram analistas que trabalham para esses fundos, e a realidade operacional desses fundos é que analistas raramente decidem investir em novas empresas.

Eles geralmente estão lá como olheiros, criam listas de empresas interessantes para o fundo (e essas empresas geralmente são a maioria do mercado de startups), marcam reuniões e depois reportam para os “partners”, que são as pessoas que vão tomar a decisão se irão conversar mais com a empresa ou não.

Não me entenda errado, se algum desses analistas entrar em contato com você, converse com eles e apresente sua empresa. Mas quando você tem mais uma pessoa no fluxo que precisa ser convencida de que a sua empresa vale alguma coisa, isso dificulta as coisas.

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Por isso, se você tiver contato ou conseguir uma introdução com um partner do fundo diretamente, terá um pouco mais chance, pois essa será a pessoa que você tem que convencer.

Como eu faria hoje em dia

Aqui existem dois cenários:

1. Você não quer levantar dinheiro agora e não pretende por um bom tempo. Nesse caso, você pode aceitar a ligação somente para se apresentar e conhecer um pouco mais do fundo.

2. Você está fundraising ou pretende fazer isso em um futuro próximo. Nesse caso, eu recomendo você saber a quantia que quer levantar, a diluição e criar um plano de uso para o capital levantado.

Tentar uma introdução com algum partner do fundo ou solicitar que algum partner esteja presente na ligação. Se eles insistirem que somente o analista estará presente, após seu pitch, fale quanto você quer levantar e a diluição, e pergunte quais são os próximos passos e quando vocês podem ter uma ligação com um partner do fundo.

Perguntas a se fazer:

  • O operacional do fundo: Como eles tomam decisões? De quanto em quanto tempo? Quem é a pessoa/grupo que toma a decisão final? Quem toma a decisão de seguir para o próximo passo?
  • O que fez eles entrarem em contato com vocês?
  • O que eles acham da sua indústria? Eles já investiram em startups parecidas ou do mesmo ramo?
  • Quanto eles investem?
  • Qual é a ownership (%) da empresa que eles miram?
  • Ao final da ligação: Qual o próximo passo?

2. Comunicação

Investidores falam com centenas de startups mensalmente, os melhores deles conseguem identificar rápidamente se você está engrandecendo algo ou mentindo para eles.

Claro que há suas exceções, mas eu não recomendaria de jeito nenhum falar nada além da verdade. Todos os VCs (Venture Capitals) conhecem uns aos outros. Se você não for honesto com um, todos os outros irão eventualmente saber e isso vai acabar com a sua reputação em uma indústria que é inteiramente construída em cima disso.

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Quando você for comunicar essa realidade para eles, não pode ser de qualquer maneira. Você vai precisar pensar bem em como vai contar a sua história, quais são os eventos e qual a cronologia que vai apresentar.

O que eu descobri é que se você fez algo que (na visão do investidor) é incrível em sua vida no passado, começa com isso e continue até chegar em sua ideia/problema e solução atual.

Caso você não tenha feito nada que seja fora do normal, comece direto na fonte do problema, como você identificou, pensou em uma solução, e comunice as coisas que você já fez, está fazendo e pretende fazer para garantir que vai ser uma empresa de sucesso. Demonstre energia, paixão e conhecimento sobre sua indústria, empresa e visão.

Uma outra dica é tentar ser o mais sucinto possível. Isso faz com que o investidor pergunte para você. Então não responda todas as perguntas dele antes dele fazê-las, isso causa desinteresse.

3. Unit economics

Unit economics (UE) em tecnologia é o termo usado para indicar os índices econômicos de um produto. Por exemplo, qual o custo de adquirir cada usuário, qual o custo mensal para manter esse usuário e quanto de dinheiro você faz com cada usuário.

Essa é uma parte que nós demoramos um tempinho para entender e materializar, e com certeza, acabou afetando negativamente algumas das reuniões com investidores que tivemos, pois não conseguíamos demonstrar nem explicar nossa unit economics claramente.

Para ilustrar a importância de unit economics (UE), eu vou explicar como nós viemos a enxergar as UE do Bipa. Em nosso caso, existem três métricas que são importantes:

  • Custo de acquisição (Cutomer acquisition cost – CAC) → O nome já diz tudo: é quanto nós pagamos por cada pessoa que virou cliente. Existem custos de KYC, twillio, marketing e etc.
  • Custo unitário (Unit Cost) → Qual o custo mensal que possuímos com cada conta ativa. Existem custos da conta bancária, Bitcoin, Lightning, etc.
  • Average revenue per active user (ARPU) → Qua a média de faturamento que cada usuário ativo nos dá?
    • Muitas empresas que são do modelo de assinatura utilizariam a métrica life time value (LTV) ao invés de ARPU.

Com essas três métricas, você consegue demonstrar para o investidor que a sua empresa é financeiramente viável. Pois demonstra um plano no qual você consegue provar para ele que se conseguir crescer o número de clientes mantendo o ARPU, você pode fazer muito mais dinheiro do que está fazendo agora.

O leitor atento vai se perguntar: e o custo dos funcionários, e-mail, Slack e outras coisas que uma empresa tem que pagar para funcionar?

Enquanto esse custo é extremamente importante e é o que a empresa mais gasta por um bom tempo de sua existência, esse é um custo operacional da empresa que não necessariamente vai escalar junto com o crescimento do número de clientes.

Os custos de Unit Economics são custos que escalam junto com o número de clientes. Esses custos podem explodir da noite pro dia, caso você traga um número muito grande de clientes.

Se você trazer muitos usuários e não conseguir manter a média de faturamento em níveis aceitáveis, você começará a perder dinheiro, e isso pode escalonar para níveis insustentáveis. VCs não gostam de ver isso e não gostam de saber que você não entende isso e tem um plano para lidar, caso os números forem ruins.

Incentivo de VCs

VCs também possuem investidores, chamados LPs (Limited Partners). Esses LPs também esperam que o fundo deles retornem lucro.

Para que isso aconteça, os investidores de startups perceberam que geralmente uma pequena % dos investimentos deles pagam a perda da grande maioria dos investimentos deles, por isso, estão constantemente procurando empresas que podem se encaixar nessa pequena % que darão um retorno astronômico.

Portanto, para conseguir levantar investimento de VC, você precisa ter uma visão que pode eventualmente trazer esse tipo de lucro para eles. Se você não tiver e não quiser criar uma empresa que vale bilhões, provavelmente nem vale a pena levantar capital com VC.

4. Quanto minha empresa vale

Três dúvidas muito frequentes dentre pessoas que estão começando a empreender e querem levantar capital são:

  • Quanto a minha empresa vale?
  • Quanto de dinheiro eu levanto?
  • Quantos % da empresa devo vender?

Geralmente as pessoas respondem a primeira pergunta já olhando para a startup como uma empresa grande e consolidada.

Eles tentam racionalizar quanto a empresa vale baseado no faturamento e o pouco de propriedade intelectual que a empresa criou. Mas em empresa de tecnologia, essa é a maneira errada de analisar as coisas.

Se todos os investidores fizessem isso, nenhuma startup receberia investimento, pois sempre as valorizações e o capital que elas teriam acesso não seria necessário para financiar a operação e os planos de expansões. Criar startup de tecnologia é caro. Programadores, designers e cientistas de dados são extremamente caros.

Para saber quantos % da empresa você vai vender, você precisa primeiro identificar quanto de dinheiro você precisa para executar seus planos e fazer a empresa crescer.

1. Faz o seu planejamento de expansão. Quantos funcionários vai trazer? Quanto quer investir em marketing? Recomendo planejar para pelo menos 18 meses.

2. Pega o resultado de quanto de dinheiro você vai precisar, adiciona de 30% a 50% a mais como margem de erro. Esse é o dinheiro que você precisa.

3. Agora você precisa decidir o quanto da empresa você está disposto a vender para levantar esse capital. Eu recomendo não passar de 20% para a primeira rodada de investimento. Se vender mais que isso, pode ser que venha a ter problema pra levantar futuras rodadas de investimento. O ideal é manter nos 10%.

4. Sabendo o quanto de dinheiro você precisa e o máximo de diluição que vai tomar, você consegue chegar a valorização que você gostaria de fechar a sua rodada. Por exemplo, se quiser levantar R$ 1 milhão por 10% da empresa, sua empresa valerá R$ 10 milhões.

5. Cuidado com CVCs

Cuidado com Corporate Venture Capitals (CVCs). Quando você está cedo na sua jornada, não dê atenção para empresas grandes que queiram investir em você. Principalmente quando eles quiserem liderar ou fazer a sua rodada por completo.

O problema de CVC está no fato de que eles são uma empresa com interesses próprios e o interesse deles é se manter ou chegar no topo.

Nesse estágio inicial da sua empresa, você nunca terá poder suficiente para impor as suas necessidades em cima das necessidades deles. Eles adicionarão diversos termos para o contrato de investimento que fará você uma empresa mais lenta e você precisará dedicar tempo e dinheiro para satisfazê-los.

Ignore corporate venture capitalists enquanto você for uma empresa pequena que não vai levantar muitos milhões de dólares e está procurando nele um parceiro mais estratégico.

6. Mantenha opções abertas

Nunca feche a porta de um investidor A até você realmente estiver fechando com investidor B. Se estiver fechando com investidor B, você deve comunicar ao investidor A que está prestes a fechar com investidor B aos termos X, e solicitar deles uma resposta definitiva o mais rápido possível.

Ou eles melhoram os termos que você apresentou, ou igualam. Aí é uma decisão sua se vai ir com eles ou o que ofertou primeiro.

A moral da história é: use ofertas de investidor A para acelerar a decisão do investidor B, e nunca feche as portas com investidor B, só quando investidor A realmente ir para frente com a assinatura do contrato de investimento e o investidor B ignorou, ou deu uma resposta negativa.

Use ofertas de investidor A para acelerar a decisão do investidor B.

Ainda não vou lhes dizer se conseguimos ou não fechar a nossa rodada. O ponto desse post não é esse, mas sim compartilhar um pouco dos meus aprendizados ao longo desse último ano interagindo com investidores e tentando convencê-los de investir no Bipa.

Sobre o autor

Luiz Parreira é um desenvolvedor brasileiro que fundou o Bipa, um aplicativo que permite a compra e venda de Bitcoin com Pix e Lightning Network. O texto acima foi editado com autorização do autor e publicado originalmente na newsletter pessoal de Parreira.