Caso Sbaraini: advogado tenta acordo, mas vítimas podem demorar 5 anos para recuperar investimentos

A Sbaraini, que operava criptomoedas, parou de pagar seus clientes após uma operação da Polícia Federal apontar para um esquema de lavagem de dinheiro dentro da empresa
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(Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

No dia 28 de novembro de 2023, a Polícia Federal deflagrou a operação Ouranós, um caso que chocou a Faria Lima, centro financeiro do país, por envolver uma gestora de ativos. Com mais de 7 mil clientes em 17 estados, o principal alvo da ação não foi a gestora, mas sim a Sbaraini Administradora de Capitais (antes chamada de MK Negócios).

Em meio a esse cenário, a gestora Titanium Asset teve três de seus fundos de criptomoedas paralisados após a operação por suspeitas de que ela era usada no esquema de fraude iniciado pela MK e em seguida pela Sbaraini.

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Prometendo retornos elevados, na casa de 3% a 5% ao mês, fazendo arbitragem de criptomoedas, a Sbaraini teria captado mais de R$ 1 bilhão, segundo inquérito da PF, em um esquema que envolveria lavagem de dinheiro e outras fraudes e que parou de funcionar assim que a operação policial foi deflagrada.

Ao Portal do Bitcoin, o advogado Alex Gallio, sócio do escritório Boschirolli e Gallio Advogados Associados e que atende mais de 30 clientes da Sbaraini, afirmou que está em conversas com a defesa da empresa para tentar um acordo.

Segundo ele, já existe um diálogo entre as partes, mas que não há nada concreto para acordo. Caso não consiga chegar a um termo comum entre as partes, ele acredita que levará pelo menos cinco anos para que as vítimas possam receber os valores bloqueados.

A PF já bloqueou em março cerca de R$ 400 milhões da empresa para servir como ressarcimentos às vítimas, porém, Gallio afirma que esse valor não é suficiente, visto que foram captados pelos menos 2,5 vezes que isso.

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Por conta disso, o advogado diz que já entrou na Justiça com pedidos para bloqueio de bens das pessoas físicas, especialmente Eduardo Sbaraini, dono da companhia desde 2021, que tem participações em outras empresas, principalmente no agronegócio, e teria o suficiente para cobrir o restante.

Vítimas estão com dinheiro travado

Gallio diz que já conversou com pelo menos 300 investidores que teriam sido afetados pela paralisação da operação da Sbaraini, e existem casos de vítimas com milhões bloqueados na plataforma.

Uma das vítimas, que pediu para não ser identificada, contou ao Portal do Bitcoin que passou a operar na MK Negócios (que viria a ser comparada pela Sbaraini) porque um conhecido do seu então marido trabalhava na empresa.

Ela explica que investia na empresa desde 2020 e que começou com aportes menores, de R$ 10 mil, e em seguida, conforme ganhou confiança no negócio, elevou até superar o nível de R$ 200 mil.

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Uma prática comum em muitos esquemas fraudulentos é pagar os rendimentos aos clientes nas retiradas iniciais e menores, para em seguida parar de funcionar quando a pessoa já realizou aplicações maiores.

Em 2021, quando a MK foi vendida e se tornou Sbaraini, essa vítima conta que não houve nenhum tipo de comunicação e que na ocasião, seu assessor na empresa também mudou sem que ela fosse informada previamente.

“Os investidores não ficaram sabendo [da venda da MK]. Eu fiquei sabendo porque eu fui conversar com o meu ex-assessor de investimentos e me falou que não seria mais com ele porque a MK tinha sido vendida”, conta a vítima explicando que foi contatada posteriormente por um novo funcionário tranquilizando-a sobre a continuidade das operações.

Com cerca de R$ 250 mil na plataforma, no início de 2023, após se separar do marido, essa vítima passou a fazer a retirada mensal do rendimento que ganhava, cerca de 2% a 3%, para poder pagar suas contas, e diz que recebia corretamente.

Ela diz também que por um período entre 2020 e 2023 pagou um seguro proposto pela empresa, que cobrava 5% do investimento total investido para proteger os valores. Essa operação era feita por uma empresa terceira, a Manhattan Crédito e Caução.

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Segundo essa vítima, logo após a operação da PF, todo o sistema da Sbaraini foi bloqueado e ela não tinha acesso nem aos dados da sua conta. Além disso, não houve uma comunicação da empresa e nem explicações do que iria acontecer: “ninguém nunca me avisou nada, fiquei a mercê [deles]”, conta.

“Nunca tive problema até entrar no sistema no início de dezembro [de 2023]. Eles pagavam direitinho, inclusive descontando Imposto de Renda da forma correta”, conta ela. Porém, com a suspensão, decidiu entrar com um processo para reaver seu investimento.

Gallio conta que existem mais clientes com quantias maiores investidas, como o caso dessa vítima, e que um investidor gaúcho que, sozinho, vendeu uma fazenda e investiu R$ 50 milhões na Sbaraini.

A fraude da Sbaraini

As primeiras informações da operação Ouranós, em novembro de 2023, apontavam que a PF estaria desarticulando um esquema de possível pirâmide financeira. No despacho da polícia, há trechos de documentos do Bradesco e Banrisul, nos quais os bancos afirmam ter a suspeita de que a Sbaraini representava uma pirâmide.

O Bradesco informou ao Coaf atividades suspeitas do empresário Guilherme Bernert Miksza por conta da movimentação de R$ 2 milhões em novembro de 2019. “Segundo informações não confirmadas, se trataria de pirâmide financeira. Portanto, consideramos que além da movimentação havida em conta estar incompatível com a capacidade financeira declarada pelo cliente, movimenta recursos de sua empresa MK Administradora de Capitais Ltda”, disse o banco.

Depois, em dezembro de 2020, o Banrisul encaminhou ao Coaf uma movimentação de R$ 1,1 milhão feita pela pessoa jurídica da Sbaraini. O banco afirma que “de acordo com relato da agência [bancária, que foi usada para a operação], pode estar realizando captações com promessa de ganhos fixos (aparentando tratar-se de pirâmide financeira), com possível envolvimento de criptomoedas”.

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Ao Portal do Bitcoin, o advogado Alex Gallio disse que tanto o inquérito da polícia quanto a conclusão dele mesmo não indicam um esquema de pirâmide.

“Pirâmide é quando as pessoas ou a empresa começa a captar recursos novos para pagar os investidores antigos. Não era o caso [da Sbaraini/MK], não existe uma reclamação de descumprimento contratual entre os investidores”, afirma o advogado. Ele, no entanto, não soube explicar qual era a origem do dinheiro que a Sbaraini usava para pagar os rendimentos dos clientes.

Apesar do documento da PF não falar em pirâmide, o modelo de operação da empresa é parecido com o de outros casos conhecidos do mercado, com o da GAS Consultoria, que foi fundada em 2005 e passou a oferecer rendimentos fixos com criptomoedas na casa de 10%.

Em 2021, a empresa, criada por Glaidson Acácio dos Santos, o “Faraó do Bitcoin”, foi alvo da operação Kryptos da Polícia Federal, que prendeu seu fundador. A partir disso, a GAS deixou de pagar seus clientes. No ano passado, a empresa foi um dos principais alvos da CPI das Pirâmides.

De toda forma, no caso da Sbaraini, a PF aponta uma série de irregularidades na operação da Sbaraini, principalmente fortes indícios de lavagem de dinheiro.

O inquérito aponta que a empresa se apresentava como se fosse um banco (MK Digital Bank), mas que na verdade eram uma instituição de pagamento (IP), o que já seria uma primeira infração. Além disso, a Sbaraini usava uma estrutura offshore, encaminhando recursos para o exterior, o que também levantou suspeitas.

O advogado comenta ainda que estranhou o fato de que a Sbaraini não apresentou como defesa qualquer tipo de comprovação dos ativos que possui em exchanges. A empresa alega ter contas em corretoras como Binance e Coinbase, mas não comprovou as reservas para sinalizar que os saldos dos clientes estão realmente investidos.

Relação com a Titanium Asset

Quando o caso explodiu, chamou atenção do mercado o fato de estar envolvida na operação da PF a Titanium Asset, uma gestora que fica no coração da Faria Lima, o centro financeiro do país.

Segundo a PF, o dinheiro obtido ilegalmente pela Sbaraini, “após passar por camadas de interposição societária, por meio de blindagem patrimonial, foi integrado ao mercado de capitais por meio dos fundos instituídos por eles e da própria gestora que os administra (Titanium Invest Gestão de Investimentos LTDA), como também foi integrado na instituição de pagamento (MK Digital Bank) que atua no mercado de pagamentos sob à supervisão do Banco Central do Brasil”.

Ou seja, a Titanium teria sido usada pela Sbaraini para integrar o dinheiro usado em seu suposto esquema ilegal ao mercado de capitais. Para isso, eram usados três fundos regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM): Structure, Cripto Access e Galaxy.

A PF aponta que os sócios da Titanium Asset são os irmãos Claudio Miguel Miksza Filho e Guilherme Bernert Miksza, que foram os criadores da MK Negócios. Em 2021, a companhia foi vendida para Eduardo Sbaraini, que rebatizou o negócio com seu sobrenome.

Segundo a PF, o processo de transferência foi feito por meio de aparente fraude na compra e venda de cotas societárias. Sbaraini continuou com as operações ilegais e trouxe mais uma pessoa para o esquema: Vitorio Francisco Rizzotto, diretor de expansão da companhia, identificado como “líder intelectual do grupo” pela Polícia Federal.

A Titanium ficou dois meses afastada da gestão dos empreendimentos após a operação Operação Ouranós da PF, em novembro de 2023. Após o bloqueio, a Justiça permitiu que a Titanium retomasse a gestão dos fundos em fevereiro deste ano, mesmo mantendo as aplicações fechadas para resgate.

O que diz a Sbaraini

Documento obtido pelo Portal do Bitcoin mostra que a Sbaraini, representada pelo escritório Bonini Guedes Advocacia, entrou em 25 de março com um pedido de contestação de uma das ações de clientes contra a empresa.

Entre os argumentos, o grupo fala que não pode ser aplicado o código de defesa do consumidor e que o processo não seria válido por não haver prova de atos ilícitos, sendo que o não pagamento dos clientes se daria apenas por conta da ação da PF.

Além disso, a Sbaraini discute o próprio mérito da questão, já que, segundo a defesa, os clientes sabiam que esse era um investimento de risco por ser em criptomoedas e que seus usuários estavam cientes e decidiram assumir o risco. Gallio, ressalta, porém, que a empresa prometia uma operação de arbitragem e que não explicaram direito quais os riscos envolvidos nessas operações.

Procuradas pela reportagem, Sbaraini e Titanium se pronunciaram negando qualquer irregularidade em suas operações.

“A Sbaraini Capital refuta, de modo veemente, a existência de qualquer irregularidade na operação da empresa, bem como qualquer ligação de sua marca com atividades ilícitas e ressalta que tem colaborado com a Justiça, fornecendo esclarecimentos e documentos pertinentes diretamente ao juízo, em respeito ao sigilo do caso”, disse a empresa.

Além disso, a Sbaraini reforçou que “toda e qualquer forma de pagamento será acatada e realizada conforme futuras determinações judiciais”.

Já a Titanium afirma que sua “operação sempre respeitou parâmetros regulatórios e legais, nos termos das exigências da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e em respeito a normas de prevenção de lavagem de dinheiro”.

“A empresa refuta qualquer ligação de sua marca com atividades ilícitas e ressalta que tem colaborado com a Justiça, fornecendo esclarecimentos e documentos pertinentes diretamente ao juízo, em respeito ao sigilo do caso”, concluiu a gestora.