Caso contra Atlas Quantum exemplifica a longa demora para CVM julgar processos

O prazo médio para a Comissão de Valores Mobiliários terminar de julgar Termos de Acusação é de quatro anos e meio
Celular com o logo da CVM e notebook aberto no site da Comissãod e Valores Mobiliários

Shutterstock

Recentemente, após cinco anos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou multas de R$ 55,8 milhões contra a Atlas Quantum – pirâmide financeira que operava com criptomoedas – pela prática de crimes contra o sistema financeiro nacional.

Mais do que a condenação em si, chama atenção o tempo que demorou para a conclusão do processo, aberto em 2019 pela autarquia. Na época, a CVM obrigou a Atlas a parar de ofertar seus serviços de trading por entender que era um contrato de investimento coletivo (CIC), sob pena de uma multa diária de R$ 100 mil se não cumprisse a determinação.

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A empresa então, parou de pagar seus clientes e chegou a processar o regulador em R$ 3 bilhões por conta da decisão, alegando que isso teria prejudicado seus negócios. A ação, porém, não prosperou. Desde então, o criador da Atlas, Rodrigo Marques, está desaparecido e a empresa foi alvo de diversas investigações, incluindo a CPI das Pirâmides Financeiras.

E mesmo diante de tantas acusações, o caso da Atlas não fugiu da média de um julgamento da CVM. Em resposta ao Portal do Bitcoin sobre a demora no processo contra a Binance – instaurado em 2022 -, a autarquia apontou que, em 2023, o prazo médio para a conclusão de Termos de Acusação julgados foi de 1.149 dias úteis, ou cerca de 4 anos e meio.

Já o advogado especialista em criptomoedas Daniel de Paiva Gomes, sócio da VDV Advogados, diz que esse longo período de julgamento ocorre por excesso de processos e que é algo estrutural do governo federal. “Não é culpa da CVM. A dotação orçamentária não destina o valor necessário que a CVM precisaria para conseguir se modernizar e ter uma entrega mais rápida”, explica.

“Se tivesse melhor retorno de investimento na CVM, ela teria uma estrutura maior, poderia abrir concursos, ter mais servidores. É realmente a falta de servidores para poderem realmente analisar os processos e darem o segmento necessário”, completa ele.

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No caso contra a Binance, que apura a oferta irregular de derivativos de criptomoedas no Brasil, uma conclusão pode demorar ainda três anos. Segundo a CVM, não existe um prazo máximo para a apreciação de uma caso, mas dentro do órgão são colocadas metas de prazos: em 2023 e 2024 são de 1.518 dias úteis (cerca de 5 anos), sendo que se passaram apenas 598 dias corridos no processo da Binance.

Papel da CVM

Vale ressaltar ainda que o papel da CVM é de regulador do mercado de capitais brasileiro, atuando para controlar a oferta de produtos que são considerados investimentos, sem o poder de prender ou investigar criminalmente quem realiza operações fraudulentas.

Como destaca Daniel, a CVM tem a possibilidade de aplicar todas as penalidades da Lei Federal 6385, ou seja, multa, inabilitação, entre outras sanções. Para um nível além disso, ela pode oficiar o Ministério Público Federal, que então pode iniciar a persecução penal, que pode resultar em uma eventual prisão dos envolvidos.

Além disso, o advogado lembra que o dinheiro das multas aplicadas pela autarquia não vai para as vítimas e nem mesmo fica com a própria CVM. O valor pago nesses casos fica com o governo federal.

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“As vítimas, em caso de esquema ponzi e pirâmide financeira, elas precisam ir atrás dos seus direitos por meio de processos judiciais que buscam ressarcimento, buscam a reparação de perdas e danos. O processo da CVM não tem ligação com as vítimas de uma pirâmide”, explica.

Relatório de abril deste ano mostra que a CVM arrecadou com multas efetivamente pagas R$ 832.080.723,98, referentes 186 processos, uma alta de 1.791% antes o arrecadado um ano antes. Ao longo de 2023, segundo o regulador, foram realizados 72 julgamentos de processos administrativos sancionadores (PAS), maior quantidade desde 2019.

Segundo Daniel, com o recebimento dessas multas, o governo então analisa e destina os valores no que ele entende ser mais adequado, de acordo com a política de orçamento público. Ou seja, não necessariamente é aplicado de volta na CVM.

“Então o que eu digo sobre prazos e decisões é que caberia ao governo federal, querendo modernizar o nosso mercado financeiro de capitais, querendo modernizar o nosso mercado de tokenização, destinar mais recursos para a CVM para que ela e sim consiga ter um pouco mais de celeridade [nos processos]”, conclui Daniel.