Fachada da sede do Banco Central do Brasil
Foto: Shutterstock

Terminou na última quarta-feira (31) o prazo da consulta pública criada pelo Banco Central para tratar da regulamentação do setor de criptoativos no Brasil. Foram 240 respostas registradas, desde pessoas físicas até algumas das principais empresas de ativos digitais e associações do país.

O questionário do BC continha 38 perguntas, passando por 8 temas que tratavam de diferentes pontos técnicos sobre a atuação das chamadas VASPs (Provedores de Serviços de Ativos Digitais, na sigla em inglês), com tópicos como governança, prestação de serviços, segurança cibernética, entre outros.

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Entre os respondentes apareceram grandes exchanges com atuação no país, como o Mercado Bitcoin, Coinbase e Binance, associações como a Febraban (bancos), Anbima (empresas do mercado de capitais), Ancord (corretoras) e ABFintech (fintechs), além da própria Bolsa de Valores brasileira, a B3.

Um dos principais pontos, tratado logo na primeira pergunta do BC, fala sobre a segregação patrimonial, que, após uma série de polêmicas, acabou ficando de fora do Marco Cripto aprovado no Congresso em 2022.

Em geral, tanto associações quanto as empresas individuais defendem o mecanismo como forma de proteção dos recursos dos clientes. A maior exceção foi a Binance, que focou na prova de reservas como a melhor forma de garantir que o dinheiro dos clientes está seguro.

Segregação patrimonial

Apesar de darem diferentes versões de como realizar a segregação, a maioria das empresas que responderam à consulta se mostraram a favor desse tipo de solução para proteção dos clientes.

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O Mercado Bitcoin (MB), por exemplo, defende a segregação para que os recursos e ativos virtuais não sejam utilizados pela VASP para honrar suas obrigações, inclusive em caso de insolvência. “Diferentemente do regime jurídico de depósito bancário, as VASPs não podem utilizar os recursos e ativos dos clientes como se seus fossem”, diz a exchange.

Para a empresa, algumas das práticas que podem ser adotadas para realizar a segregação são:

1) Adotar regime contábil no padrão COSIF para demonstrar que os ativos virtuais estão segregados;

2) Exigir que a VASP tenha políticas, controles e procedimentos para garantir a segregação patrimonial, sujeitos a análise de auditoria independente para verificar que os saldos das wallets batem com os controles de titularidade individualizados;

3) Permitir que a VASP custodie os ativos virtuais dos clientes em contas/wallets omnibus (coletivas), adotando medidas para registrar e manter atualizado o controle de titularidade dos ativos virtuais, por meio de controles, processos e políticas, bem como realizar o monitoramento de PLD/FTP dos clientes;

4) Fazer com que a VASP forneça aos clientes, sempre que solicitado, extrato dos ativos virtuais custodiados.

Essa visão é compartilhada pela Coinbase, que concorda que deve haver a segregação patrimonial, defendendo que “quando a propriedade dos ativos do cliente é claramente identificada no registro interno de uma VASP, a VASP geralmente pode obter benefícios de segurança e eficiência armazenando esses ativos do cliente em uma carteira coletiva – omnibus on-chain wallet”.

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“Embora os ativos em uma carteira coletiva pertençam a vários clientes, o registro interno de uma VASP deve refletir a propriedade individual de cada cliente do conteúdo da carteira”, avalia a exchange.

A Associação Brasileira de Criptoeconomia (Abcripto) complementa dizendo que “do ponto de vista operacional, entendemos que as segregações (i) contábil e (ii) via contas de registro são medidas suficientes e efetivas, em se tratando da segregação de ativos virtuais”.

Em geral, as respondentes avaliam que a melhor forma de segregar o patrimônio dos clientes é criar uma conta coletiva e que dentro dela existam mecanismos para diferenciar quais recursos pertencem a quais clientes.

Como avalia o BTG Pactual em sua resposta, realizar a individualização das wallets “é um método custoso e pouco funcional de segregação”. Isso ocorre porque cada VASP teria que contar com uma plataforma muito mais robusta para dar conta da quantidade de carteiras que teria que administrar.

A B3, apesar de concordar, não comenta sobre a criação de carteiras individuais ou coletivas, mas diz que, do ponto de vista jurídico, a segregação efetiva do patrimônio pode ser alcançada por meio de uma legislação específica.

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“Esse regime legal deve assegurar que os recursos e ativos virtuais dos clientes administrados por essas entidades não sejam confundidos com o patrimônio da prestadora de serviço, nem sejam utilizados para responder por suas obrigações perante terceiros”, afirma a operadora da Bolsa de Valores.

Divergência da Binance

Destoando de outras empresas e associações, a Binance disse que a segregação “pode não significar um efetivo gerenciamento de riscos na prática”, e defendeu o que chamou de “abordagem holística” da preservação do dinheiro de clientes, de forma que não se limite os ganhos de eficiência advindos da tecnologia blockchain.

A empresa disse que “apoia a proteção do cliente e a segurança dos ativos dos usuários, e considera a segregação dos ativos dos clientes dos seus próprios ativos como um padrão internacional adequado”, mas sua forma de encarar a segregação parte do princípio da prova de reservas e garantia de ter os ativos dos clientes disponíveis para saque.

“A segregação de atividades das VASPs pode não significar um efetivo gerenciamento de riscos na prática, que seria alcançável por meio de uma abordagem holística, baseada principalmente nos recursos tecnológicos empregados pela VASP”, diz a Binance.

Para a exchange, a “regulamentação dos ativos virtuais deve introduzir uma governança robusta, procedimentos de risco eficazes e mecanismos de controle interno adequados”, sendo que “o fornecimento combinado de serviços de negociação e custódia gera eficiências operacionais que beneficiam os usuários do mercado em geral, em termos de velocidade e certeza de liquidação”.

Em sua resposta, a Binance ainda aproveitou para cutucar o Banco Central ao defender que, no caso de recursos de usuários que ainda não foram investidos e estão “parados” na plataforma, eles sejam mantidos em contas de pagamento sujeitas às regras do BC.

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Neste momento a exchange cita que pretende seguir essa abordagem quando tiver a aprovação do BC para adquirir a corretora de câmbio e valores mobiliários Sim;paul, tentando justificar para o BC seu interesse na companhia.

O processo para a compra da empresa está parado desde março de 2022 e, recentemente, no relatório final da CPI das Pirâmides Financeiras, os parlamentares defenderam que o negócio não seja aprovado por conta da operação irregular da Binance no país, citando a sonegação de impostos, evasão de divisas e venda de produtos financeiros sem autorização da CVM.

FGC para criptos

Entre as perguntas, o Banco Central levanta a possibilidade da criação de um mecanismo semelhante ao do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que no mercado tradicional, em algumas ocasiões, garante o pagamento de parte do valor investido em caso de quebra de uma instituição.

Porém, em geral, as companhias do mercado cripto não acreditam que essa seja uma boa opção para o setor, visto que, no caso das defensoras da segregação patrimonial, esse já seria uma solução que evitaria a necessidade de um FGC.

A Binance, por exemplo, diz que, embora a criação de um FGC possa melhorar a estabilidade do mercado, entende que esse não é o principal mecanismo para proteger os usuários e seus ativos.

“Para proteger os ativos dos usuários, recomendamos que cada VASP tenha sua própria prova de reservas, o que significa que a VASP deve cobrir todos os ativos dos usuários 1:1, bem como algumas reservas adicionais, o que tornaria inexistente o risco de crédito relacionados aos serviços das VASPs”, diz a exchange.

Já o MB lembra que o FGC foi constituído como garantia dos depósitos bancários para proporcionar segurança aos clientes titulares de crédito contra instituições financeiras, e que neste segmento não existe a segregação patrimonial.

“Com relação aos seguros, sugere-se que não seja exigido na regulamentação. Isto porque são poucas as seguradoras que disponibilizam seguros para o segmento de ativos virtuais, e as coberturas são muito limitadas, o que oneraria demasiadamente a operação da VASP, sem contrapartida benéfica aos investidores”, completa a corretora.